Questão 1:
A
Súmula Vinculante nº 18 é aplicável quando a dissolução da sociedade conjugal
decorre da morte de um dos cônjuges?.
R=
Segundo entendimento do STF, a súmula Vinculante n. 18
não se aplica aos casos de extinção do vínculo conjugal pela morte de um dos
cônjuges. Ou seja, fica elegível o cônjuge supérsite. Entende o STF que entre
os desideratos do art. 14, §7º da CF, registrar-se-iam o de inibir a
perpetuação política de grupos familiares e de inviabilizar a utilização da
máquina administrativa em benefício de parentes detentores de poder. No
entanto, a superveniência da morte do titular, no curso do prazo legal de
desincompatibilização deste, afastaria as situações. Para o STF, a morte, além
de fazer desaparecer o GRUPO POLÍTICO FAMILIAR, impediria que os aspirantes ao
poder se beneficiassem de eventuais benesses que o titular lhes poderia
proporcionar. O dispositivo constitucional referido imporia limitação de
direito, sobretudo concernente à cidadania, deveria ter sua interpretação igualmente restritiva,
de modo a não comportar ampliação. Logo, quando a dissolução da sociedade
conjugal decorre da morte de um dos cônjuges, sem o fim de burlar a vedação
constitucional e perpetuar o grupo familiar no poder, o sobrevivente fica
elegível.
Questão 2:
A
previsão da ação de regresso, na parte final do § 6º do art. 37 da Constituição
Federal, tem relação com a possibilidade de responsabilização solidária do
servidor, como litisconsorte passivo ao lado do Estado, na ação movida pelo
particular? Ainda na matéria, há previsão de prazo para o ajuizamento dessa
ação regressiva?
A
questão trata de polêmico tema que desperta acesa divergência doutrinária e
jurisprudencial, inclusive na seara dos Tribunais Superiores.
De
um lado, temos a linha majoritária na doutrina, bem expressada nas palavras do
mestre Celso Antônio Bandeira de Mello, in verbis:
"Entendemos que o art. 37, § 6º, não tem
caráter defensivo do funcionário perante terceiro.
A norma visa proteger o administrado,
oferecendo-lhe um patrimônio solvente e a possibilidade da responsabilidade
objetiva em muitos casos. Daí não se segue que haja restringido sua
possibilidade de proceder contra quem lhe causou dano. Sendo um dispositivo
protetor do administrado, descabe extrair dele restrições ao lesado. (...) A
seu turno, a parte final do § 6º do art. 37, que prevê o regresso do Estado
contra o agente responsável, volta-se à proteção do patrimônio público, ou da
pessoa de Direito Privado prestadora de serviço público.
Daí a conclusão de que o preceptivo é volvido
à defesa do administrado e do Estado ou de quem lhe faça as vezes, não se
podendo vislumbrar nele intenções salvaguardadoras do agentes. (...) a vítima
pode propor a ação de indenização contra o agente, contra o Estado, ou contra
ambos, como responsáveis solidários, nos casos de dolo ou culpa" (in Curso de Direito Administrativo,
18ª ed., p. 958)
O
Superior Tribunal de Justiça, diga-se de passagem, recentemente encampou esse
posicionamento, como se pode ver da notícia abaixo:
"DIREITO PROCESSUAL CIVIL E
ADMINISTRATIVO. LEGITIMIDADE DE AGENTE PÚBLICO PARA RESPONDER DIRETAMENTE POR
ATOS PRATICADOS NO EXERCÍCIO DE SUA FUNÇÃO.
Na hipótese de dano causado a particular por
agente público no exercício de sua função, há de se conceder ao lesado a
possibilidade de ajuizar ação diretamente contra o agente, contra o
Estado ou contra ambos. De fato, o art. 37, § 6º, da CF prevê uma
garantia para o administrado de buscar a recomposição dos danos sofridos
diretamente da pessoa jurídica, que, em princípio, é mais solvente que o
servidor, independentemente de demonstração de culpa do agente público.
Nesse particular, a CF simplesmente impõe ônus maior ao Estado decorrente do
risco administrativo. Contudo, não há previsão de que a demanda tenha curso
forçado em face da administração pública, quando o particular livremente dispõe
do bônus contraposto; tampouco há imunidade do agente público de não ser
demandado diretamente por seus atos, o qual, se ficar comprovado dolo ou culpa,
responderá de qualquer forma, em regresso, perante a Administração. Dessa
forma, a avaliação quanto ao ajuizamento da ação contra o agente público ou
contra o Estado deve ser decisão do suposto lesado. Se, por um lado, o
particular abre mão do sistema de responsabilidade objetiva do Estado,
por outro também não se sujeita ao regime de precatórios, os quais, como
é de cursivo conhecimento, não são rigorosamente adimplidos em algumas unidades
da Federação. Posto isso, o servidor público possui legitimidade passiva para
responder, diretamente, pelo dano gerado por atos praticados no exercício de
sua função pública, sendo que, evidentemente, o dolo ou culpa, a ilicitude ou a
própria existência de dano indenizável são questões meritórias. Precedente
citado: REsp 731.746-SE, Quarta Turma, DJe 4/5/2009. REsp 1.325.862-PR, Rel.
Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 5/9/2013." (Inf. 532 do STJ)
Noutra
ponta caminha o entendimento capitaneado pelo Supremo Tribunal Federal,
para quem "o mencionado art. 37, § 6º, da CF, consagra dupla garantia: uma em favor do particular,
possibilitando-lhe ação indenizatória contra a pessoa jurídica de direito
público ou de direito privado que preste serviço público; outra, em prol do
servidor estatal, que somente responde administrativa e civilmente perante a
pessoa jurídica a cujo quadro funcional pertencer" (Inf. 436 do STF, RE
327904). Perfilhando essa mesma linha de raciocínio, leia-se, também, esta
outra notícia:
"Responsabilidade Civil do Estado e Ato
Decorrente do Exercício da Função
A Turma deu provimento a recurso
extraordinário para assentar a carência de ação
de indenização por danos morais ajuizada em desfavor de diretor de universidade
federal que, nessa qualidade, supostamente teria ofendido a honra e a imagem de
subordinado. De início, rejeitou-se a pretendida competência da Justiça
Federal (CF, art. 109, I) para julgar o feito. Asseverou-se que a competência é
definida pelas balizas da ação proposta e que, no caso, a inicial revela que,
em momento algum, a universidade federal fora acionada. Enfatizou-se, no ponto,
que o ora recorrido ingressara com ação em face do recorrente, cidadão. Desse
modo, pouco importaria que o ato praticado por este último o tivesse sido
considerada certa qualificação profissional. De outro lado, reputou-se violado
o § 6º do art. 37 da CF, haja vista que a ação por danos causados pelo agente
deve ser ajuizada contra a pessoa de direito público e as pessoas de direito
privado prestadoras de serviços públicos, o que, no caso, evidenciaria a ilegitimidade passiva do
recorrente. Concluiu-se que o recorrido não tinha de formalizar ação contra o
recorrente, em razão da qualidade de agente desse último, tendo em conta que os
atos praticados o foram personificando a pessoa jurídica de direito público.
RE 344133/PE, rel. Min. Marco Aurélio,
9.9.2008. (RE-344133)" (Inf. 519 do STF)
A
nosso sentir, o entendimento que deve ser prestigiado é, de fato, aquele
esgrimido pelo Supremo Tribunal Federal.
De
início, é de ver-se que o componente histórico da discussão não merece passar
desapercebido.
Com
efeito, a CF/1824 consagrava a responsabilidade pessoal do “empregado público”
(nomenclatura utilizada à época em contexto diverso ao atual, mais no sentido
de “servidor público”) nos seguintes termos: "Art.
179, XXIX: Os Empregados Públicos são strictamente responsáveis pelos abusos, e
omissões praticadas no exercício das suas funções, e por não fazerem
effectivamente responsáveis aos seus subalternos". Da mesma
forma, a CF/1891 prescrevia que "Os
funcionários públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões em
que incorrerem no exercício de seus cargos, assim como pela indulgência ou
negligência em não responsabilizarem efetivamente os seus subalternos"
(art. 82). Esclareça-se, por oportuno, que, a despeito do que
sugeriria a literalidade de tais normas constitucionais, a doutrina e a
jurisprudência pátrias, de ontem e de hoje, são unânimes em reconhecer que isso
não significava a irresponsabilidade estatal, teoria
nunca aceita, portanto, nos domínios do direito positivo brasileiro.
A
CF/1934, por sua vez, foi além: consagrou, explicitamente, a responsabilização solidária do servidor ao lado do Estado.
Nestes termos estava posto o art. 171: "Os
funcionários públicos são responsáveis solidariamente com a Fazenda nacional,
estadual ou municipal, por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência,
omissão ou abuso no exercício dos seus cargos". Mandamento
semelhante foi repetido no art. 158 da CF/1937, assim redigido: "Os funcionários públicos são responsáveis
solidariamente com a Fazenda nacional, estadual ou municipal por quaisquer
prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício dos seu
cargos".
Nas
Constituições seguintes (CF/1946, CF/1967, EC n. 01/1969), inclusive na atual
Carta Cidadã, nada se disse a respeito de tal responsabilização direta ou mesmo
solidária do servidor. Deve ser considerada irrelevante essa ausência de
previsão semelhante na CF/1988?
Esse
elemento histórico, contudo, conquanto a nosso sentir deva ser devidamente
considerado, não é o argumento mais forte que encontramos para justificar a
adoção da teoria da dupla garantia.
Imaginemos
um auditor da Receita Federal do Brasil que, de maneira legítima, fiscaliza
determinadas empresas e promove o lançamento de ofício de vultoso crédito
tributário. Incomodou tais particulares?
Sem dúvida. Se houve algum tipo de ilegalidade nesse ato administrativo de
lançamento, há ou não há meios legítimos predispostos para impugná-lo? Também
aqui a resposta é desenganadamente positiva: tanto o contencioso administrativo
quanto eventual ação anulatória estão à disposição do contribuinte para
discutir a correta aplicação da lei.
O
problema, contudo, é que o manejo de tais formas legítimas de discussão daquele
ato administrativo não intimida o agente público que está realizando a sua
missão de fiscalizar as empresas e, sendo o caso, lançar o tributo devido.
Noutras palavras, continuará a desempenhar o seu mister sem receios. Como,
então, inibi-lo, intimidá-lo? Indubitavelmente, o ajuizamento de ações
diretamente contra o servidor, invocando uma suposta responsabilização civil
pessoal dele – por fatos pretensamente
ocorridos -, seria uma fácil alternativa para lograr esse intento escuso. Que servidor ficaria tranquilo para
realizar os seus atos de ofício – que, a bem do interesse público, incomodam
muita gente, para utilizarmos de linguagem coloquial mas que expressa com
exatidão tal situação – se soubesse estar lidando com quem não titubearia em
revidar-lhe com uma ação indenizatória fundada, repita-se, em um alegado dano
advindo de um ato in officio ou propter officium? Lembre-se de que o
processamento de tais ações não pode ser evitado pelo juízo cível, a não ser
pelo crivo das condições da ação: por mais irreal que seja a alegação em que se
fulcra a demanda indenizatória, estando a petição inicial formalmente adequada,
o magistrado processará o feito. E isso, seguramente, afora trazer insegurança
ao servidor – por uma ação, repita-se, motivada em um agir dele em nome da res
publica -, trazer-lhe-ia, outrossim, grande prejuízo pela necessidade de
custeio de um profissional para patrocinar-lhe a defesa (há determinadas
procuradorias, em certos entes federados, que admitem promover a defesa de servidores
em casos semelhantes, o que dispensaria esse ônus econômico; de todo modo, o
receio quanto ao desfecho da demanda seria naturalmente sentido pelo agente
público). Valeria a pena, pois, mexer com os poderosos, que têm amplo acesso à
Justiça, inclusive para fins escusos, meramente intimidatórios?
Por
isso que a teoria da dupla garantia, a nosso sentir, melhor se afina ao
interesse público em resguardar o servidor quanto a tais ações intimidatórias,
quando, insista-se, tratar-se de ato praticado in officio ou propter officium,
ou seja, relacionado ao exercício de sua função. Aliás, cumpre ser mais
preciso: apenas reflexamente o servidor é resguardado, porquanto, ao fim e ao
cabo, a tese da dupla garantia volta-se à proteção do serviço público, do bom e
livre exercício da atividade pública.
Com
razão, pois, o Supremo. Há relação entre a norma que prevê a ação de regresso,
na parte final do § 6º do art. 37 da Constituição Federal, e a possibilidade de
responsabilização solidária do servidor, como litisconsorte passivo ao lado do
Estado: e essa relação está voltada para o reconhecimento exatamente da garantia que assiste ao servidor de
somente ser acionado, por atos praticado in officio ou propter officium,
pelo próprio ente ao qual encontra-se vinculado, em demanda regressiva.
Dir-se-á,
noutra perspectiva, que isso facilitaria a vida dos maus servidores que cometem
abusos contra o cidadão. O argumento é falacioso. Ora, se abusos há, existem
meios legítimos para que se promova a responsabilização funcional-administrativa
ou mesmo criminal de tal servidor. Que se faça, pois, uma representação
fundamentada para a autoridade que lhe é hierarquicamente superior ou mesmo
para o Ministério Público, sob as penas da lei, ou seja, inclusive sob pena de
responsabilização por denunciação caluniosa (CP, art. 339). O que não se pode é
admitir que o amplo acesso à Justiça, a grande facilidade em promover uma ação
indenizatória, seja desvirtuada para servir de caminho para intimidação de
agentes públicos que estão no exercício de suas atribuições legais, e cujo erro
encontra outras sendas legítimas para ser obviado. Quem perde com a intimidação
de agentes estatais é a sociedade.
Em
relação à segunda indagação veiculada na questão (“há previsão de prazo para o
ajuizamento dessa ação regressiva?”), era o caso de mencionar tanto a
existência de previsão de prazo para o ajuizamento dessa ação regressiva,
estritamente sob o ângulo funcional do servidor público incumbido legalmente de
promover essa demanda de regresso (advogados públicos - no âmbito federal, Lei
4.619/65, art. 2º), quanto a inexistência de prazo prescricional para
que essa ação seja aforada, haja vista a imprescritibilidade das demandas que
se voltam ao ressarcimento de danos ao erário, extraída da parte final do § 5º
do art. 37 da Carta Magna. Nesse diapasão, confiram-se estes precedentes, a
retratar a linha jurisprudencial majoritária na matéria:
AGRAVO
REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO E
CONSTITUCIONAL. 1) AÇÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO: IMPRESCRITIBILIDADE.
PRECEDENTES. 2) OCORRÊNCIA DE DANO: NECESSIDADE DE REEXAME DE PROVAS. SÚMULA N.
279 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.
(STF, Segunda Turma, ARE 772852 AgR, Rel. Min. Carmen Lúcia, DJe de 21/03/2014)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO.
DIREITO ADMINISTRATIVO. DANO AO ERÁRIO. ARTIGO 37, §5º, DA CF.
IMPRESCRITIBILIDADE. PRECEDENTES. PRETENSÃO DE REJULGAMENTO DA CAUSA PELO
PLENÁRIO E ALEGAÇÃO DE NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE DANO CONCRETO PARA SE
IMPOR A CONDENAÇÃO AO RESSARCIMENTO EM RAZÃO DO DANO CAUSADO À ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA. SUBMISSÃO DA MATÉRIA A REEXAME PELO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO, DETERMINANDO-SE O PROCESSAMENTO DO RECURSO
OBSTADO NA ORIGEM. 1. O Supremo Tribunal Federal tem jurisprudência assente no
sentido da imprescritibilidade das ações de ressarcimentos de danos ao erário.
Precedentes: MS n.º 26210/DF, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Ricardo
Lewandowski, 10.10.2008; RE n.º 578.428/RS-AgR, Segunda Turma, Relator o
Ministro Ayres Britto, DJe 14.11.2011; RE n.º 646.741/RS-AgR, Segunda Turma,
Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe 22.10.2012; AI n.º 712.435/SP-AgR,
Primeira Turma, Relatora a Ministra Rosa Weber, DJe 12.4.2012. 2. Agravo
regimental. Pleito formalizado no sentido de submeter o tema a reexame do
Plenário da Corte. Cabimento da pretensão, porquanto entendo relevante a
questão jurídica e aceno com a necessidade de reapreciação da matéria pelo
Supremo Tribunal Federal. 3. Agravo regimental provido, determinando-se o
processamento do recurso extraordinário obstado pelo Tribunal de origem. (STF,
Primeira Turma, AI 819135 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 16/08/2013)
(...) 4.
A jurisprudência desta Corte [STJ] inclina-se em favor da imprescritibilidade
da ação de ressarcimento de dano ou prejuízo ao Erário, embora o tema esteja
submetido, no STF, a apreciação em sede de recurso em repercussão geral (RE
669.069/MG), ainda pendente de solução. (...) (STJ, Primeira Turma, REsp
1232548, Rel. Min. Napoleão Nunes, DJe de 24/10/2013)
De
resto, frisamos que o tema está sujeito a definição no bojo de recurso
extraordinário dotado de repercussão geral (RE 669069), oportunidade em que o
Supremo Tribunal Federal assentará a sua jurisprudência na matéria.
Por hoje é só.
Agora, fiquem com a indicação de três vídeos para relaxar e tirar o estresse.
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