Autor: LUIZ GUILHERME MARINONI E
SÉRGIO CRUZ ARENHART – Resumo CURSO DE PROCESSO CIVIL V. 3 2010.
EXECUÇÃO E SENTENÇA CONDENATÓRIA
1- A SENTENÇA SATISFATIVA E A SENTENÇA
DEPENDENTE DE EXECUÇÃO
Com
as alterações da reforma de 2008, via de regra, o processo executivo passou a
ser uma fase do processo de conhecimento, ou seja, é o movimento do sincretismo
processual.
O
juiz, ao resolver o litígio, nem sempre presa a tutela do direito material. O
autor, mesmo no caso de sentença favorável, pode NÃO obter a tutela do direito.
Isto
acontece quando a sentença não é suficiente para prestar a tutela do direito ou
não é capaz de satisfazer O DESEJO de tutela do autor. A sentença não dar
efetivamente o que o autor deseja.
Quando
a tutela do direito, PARA SER PRESTADA, precisa do concurso da vontade do
demandado ou mesmo de ATOS MATERIAIS que podem ser praticados por auxiliares do
juízo ou por terceiros, a sentença NÃO É SATISFATIVA, dependendo da técnica
executiva.
Ademais,
a sentença é uma técnica processual que não se confunde com a tutela do
direito, tanto é que pode não ser suficiente para prestá-la, dependendo da
conjugação de outra técnica processual, TUTELA EXECUTIVA.
Determinadas
formas de tutela DECLARATÓRIA e CONSTITUTIVA, são SATISFEITAS apenas com a
prolação da sentença. Afirma-se que as
sentenças DECLARATÓRIAS e CONSTITUTIVAS SÃO SATISFATIVAS, e são ASSIM, apenas
com a prolação da sentença, mas é preciso observar que tal satisfatividade
decorre do fato de prestarem tutelas que não reclamam nada além nada a quem da
sentença, dispensando as formas executivas.
E
essa diferença já era feita no direito italiano da metade do século XX.
Em
suma, após a sentença, o processo só caminha para frente, jamais para os trás.
Outrossim,
o processo só irá caminhar para frente quando a tutela do direito NÃO FOI
INTEGRALMENTE prestada, dependendo de meios de execução. Nesse caso, a sentença
NÃO É BASTANTE ou SUFICIENTE para a prestação da tutela do direito material.
No
processo chiovendiano, a única modalidade de sentença dependente da execução
era a sentença condenatória, moldada pela doutrina para atender as necessidades
de tutela dos direitos daquela época.
A IMPOSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO NO
CURSO DO PROCEDIMENTO. A REGRA DA NULLA
EXECUTIO SINE TITULO
A
teoria do processo civil de marca CHIOVENDIANA, isto é, do processo italiano
construído no começo do século passado, caracteriza-se pela regra da NULLA
EXECUTIO SINE TITULO, que expressa
a impossibilidade de execução sem título.
O
título executivo judicial por excelência, A SENTENÇA CONDENATÓRIA,
qualificava-se a partir de certos elementos, em especial da existência do
direito nele corporificado.
A
lógica era simples, supondo-se que, para a invasão coercitiva da esfera
jurídica do réu, a JURISDIÇÃO deveria estar amparada na EXISTÊNCIA DE UM
DIREITO, o qual dependeria apenas de mecanismos executivos para a sua
realização.
Vale
dizer que a TUTELA JURISDICIONAL do direito APENAS poderia ser prestada quando o direito fosse
reconhecido como EXISTENTE, após a sua adequada discussão no PROCESSO DE
CONHECIMENTO.
Por
detrás da regra processual escondiam-se, como não poderia deixar de ser, os
valores do Estado da época.
A
regra da NULLA EXECUTIO SINE TITULO, quando somada a partir da relação
do título executivo com a existência do direito, revela a preocupação em NÃO SE
PERMITIR que a execução se desse com base em convicção
de verossimilhança ou sem que fosse encontrada a chamada CERTEZA JURÍDICA.
PARA EXECUTAR TEM QUE TER CERTEZA, NÃO PODE TER VEROSSIMILHANÇA.
A
legitimidade da jurisdição – DA SENTENÇA E DA EXECUÇÃO – era dependente da ideia
de que o juiz PODERIA encontrar a VERDADE, quando então o resultado do processo
e a sua imposição forçada NÃO poderia ser questionado, e, assim, admitidos como
JUSTOS.
Eis
a primeira dificuldade em se admitir execução com base em convicção de
verossimilhança.
Com
a influência do Séc. XIX, fica fácil associar a regra da NULLA EXECUTIO SINE TITULO com
a neutralidade do juiz, sabido que essa deveria se comportar como mero
aplicador do lei, submetido que era ao princípio da supremacia do legislativo.
Ora,
se o juiz DEVE ser neutro, NÃO HÁ COMO deixa-lo aplicar a lei duas vezes, uma
ANTES de produzidas as provas e outra ao término do processo.
Vinculada
à questão da NEUTRALIDADE, aprecia a
garantia da AMPLA DEFESA, compreendida como um direito que DEVERIA ser
naturalmente exercido antes da prestação da tutela jurisdicional do direito. Em razão da desconfiança em relação aos juízes e do receio de DECISÕES ARBITRÁRIAS – que
pudessem resultar da preferência
pela parte autora em detrimento da ré -, PROIBIA-SE
a tutela jurisdicional do direito ou qualquer prejuízo à esfera jurídica do réu
no curso do processo, isto é, ANTES que ele pudesse ter feito as alegações e
produzido as provas necessárias a sua defesa. Ou seja, a exigência de AMPLA
DEFESA era uma GARANTIA DE LIBERDADE contra a
possibilidade de arbítrio judicial e, por isso, era reafirmada pela regra da NULLA
EXECUTIO SINE TITULO.
O princípio do NULLA
EXECUTIO SINE TITULO além de ter objetivado demonstrar que a execução NÃO
poderia ser realizada sem título, quis também deixar claro que esse deveria
conter em si um direito declarado, sem deixar margem para qualquer situação de
incerteza. É o que se extrai, por exemplo, da doutrina de Carlo Furno: A
IMPOSSIBILIDADE DE RECORRER DIRETAMENTE À VIA EXECUTIVA E A NECESSIDADE
CONSEQUENTE DE OBTER UM TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL ATRAVÉS DE UM PROCESSO DE CONHECIMENTO
SE EXPLICAM FACILMENTE PELA EXISTÊNCIA DE UMA SITUAÇÃO JURÍDICA SUBSTANCIAL
CARACTERIZADA PELO ELEMENTO DE INCERTEZA. Com base
neste segundo pressuposto, dada a necessidade de se eliminar a incerteza sobre
a situação jurídica substancial, a ação NÃO pode ser exercida senão em via
declaratória, a fim de que o ANTECEDENTE lógico-jurídico DA EXECUÇÃO, que é a
aptidão da ação para ser exercida IN EXECUTIVIS, encontre sua base na
declaração e sua realização na criação do título que condiciona a instauração
da via executiva.
Mas
a impossibilidade de execução antes do término do processo também pode ser
atrelada ao modo como o ESTADO deveria tratar os direitos e as posições
sociais.
Se
não podem ser consideradas as diferenças entre os direitos e as diversas
posições sociais, igualmente não há como pensar em
necessidades diferenciadas de tutela do direito material, PARTICULARMENTE
na necessidade de antecipação da tutela final, SEMPRE vinculada às diversas
situações de direito substancial e às necessidades concretas do autor.
CHIOVENDA
faz uma consideração reveladora ao tratar da execução da sentença na pendência
do recurso. Eis a sua lição:
ENTREMENTES (ENTRETANTO), PODE OCORRER A
FIGURA DUMA SENTENÇA NÃO DEFINITIVA, MAS EXECUTÓRIA, E, POIS, A SEPARAÇÃO ENTRE A DEFINITIVIDADE DA COGNIÇÃO E A
EXECUTORIEDADE. É O QUE SUCEDE, EM PRIMEIRO LUGAR, QUANDO A CONDENAÇÃO É
CONFIRMADA OU PROFERIDA EM GRAU DE APELAÇÃO, E ISSO PORQUE A SENTENÇA DE
APELAÇÃO, SE BEM QUE NÃO DEFINITIVA, POR SUJEITA A CASSAÇÃO, É TODAVIA
EXECUTÓRIA, UMA VEZ QUE A CASSAÇÃO NÃO SUSPENDE A EXECUÇÃO DA SENTENÇA, E O
MESMO SE DIRÁ DO PEDIDO DE REVOGAÇÃO. CONQUANTO SEJA ESSA UMA FIGURA ANORMAL,
porque nos apresenta uma ação executória descoincidente, de fato, da certeza
jurídica.
Deixe-se
claro que as regras da NULLA EXECUTIO SINE TITULO é marcada pelos valores
do ESTADO LIBERAL clássico, pois a
precedência da execução sobre a cognição, e mesmo a reunião das atividades de
conhecer a executar em um mesmo procedimento, já foram admitidas em vários
momentos que lhe antecederam na história.
AS FORMAS DE EXECUÇÃO DA SENTENÇA
CONDENATÓRIA NA HISTÓRIA
Se,
no direito processual LIBERAL, a execução supunha a verificação da existência
do direito e a sua declaração na sentença condenatória – única SENTENÇA
NÃO-SATISFATIVA da classificação das sentenças (trinária) daquela época -, é agora importante demonstrar de que
modo a sentença CONDENATÓRIA foi executada em alguns momentos da história.
Isto
para ficar claro que as formas de execução da sentença condenatória podem
variar segundos os valores das épocas.
No direito romano clássico
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Na época imperial
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No direito dos germânicos
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Uma
vez proferida a sentença condenatória, era necessário aguardar 30 dias pelo cumprimento da sentença,
prazo após o qual o autor, para executar a condenação, deveria propor nova
ação, chamada de ACTIO IUDICATI.
Diante
dessa nova ação, o réu poderia RECONHECER
a condenação e o inadimplemento, ou apresentar DEFESA.
Nesse
último caso, o credor pedia que o RÉU fosse condenado a PAGAR o DOBRO do valor objeto da condenação.
Essa
possibilidade, aliada ao poder de o JUIZ reconhecer a má-fé da defesa, fazia com que o condenado se sentisse desestimulado a protelar a execução, não
obstante essa dependesse da sua aceitação.
Nessa época, além de a execução ter que se fundar em um
direito declarado na sentença condenatória, a sentença condenatória
dependia, para ser executada, de NOVA ação.
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É
a época dos processos EXTRA ORDINEM, a condenação
continua a exigir a ação de execução,
embora existam diferenças em relação à ação de execução (ACTIO IUDICATI) do
processo romano clássico.
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Na
fase do início da idade média, em
que o CREDOR tinha o DIREITO de fazer valer o seu DIREITO através da FORÇA, a
lei passou a submeter a penhora a prévia autorização judicial. Porém, o deferimento da PENHORA não se baseava
na existência do DIREITO ou na sua PROVA, exigindo
apenas um requerimento regular, já que a eventual discussão do
direito devia ser objeto da iniciativa do réu, mediante a sua defesa e após a
consolidação da penhora.
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Então,
é possível dizer, que de forma REDUTIVA, que, no curso da história, DUAS
FORMAS de EXECUÇÃO se chocaram:
1
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2
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UMA
QUE EXIGIA A AÇÃO DE EXECUÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA, quando era conferida
ao condenado a oportunidade de negar a subsistência do direito de crédito
declarado na própria condenação (o réu apresenta sua DEFESA).
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e
OUTRA, contrária, em que se permitia, antes de
qualquer discussão o direito, a prática de atos de AFETAÇÃO dos bens do devedor, para que SÓ MAIS
TARDE lhe fosse possível controverter o direito.
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Aqui,
abria-se DUPLA oportunidade para a discussão, uma para permitir a prolatação da condenação – a qual exigia a
demonstração do direito de crédito - e
a outra para dar ao condenado o direito de IMPUGNAR a SUBSISTÊNCIA do
direito declarado na sentença condenatória.
No
outro caso, próprio dos povos germânicos, a prática dos atos executivos DISPENSAVA a discussão do direito
de crédito e a sentença condenatória, bastando
um REQUERIMENTO regular. A discussão do direito, nesse caso, ocorria
somente se o devedor, após os atos de execução, negasse o direito de crédito,
exigido a sua discussão.
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|
Os
juristas da idade média deram BOA SOLUÇÃO ao problema, já que, ao mesmo tempo em que firmaram a
necessidade de o credor submeter a sua afirmação de direito à cognição judicial ANTES da prática dos atos de execução,
permitiram que os ATOS EXECUTIVOS decorressem
imediatamente da sentença condenatória, eliminando
a AÇÃO DE EXECUÇÃO DE SENTENÇA. (basta requerimento
regular simples - o nome disso é PROCESSO SINCRÉTICO).
Liebman, a ACTIO IUDICATI indicada pelas fontes romanas,
significando proposição de novo processo contraditório e, portanto, formalidade
demorada e protelatória, foi relegada para casos excepcionais (liquidação de
condenação ilíquida, pedido de juros sucessivos à sentença etc...), ao passo
que nos casos normais ERA SUFICIENTE simples REQUERIMENTO para que o juiz, SEM
A AUDIÊNCIA DO DEVEDOR e lançando mão
das faculdades e deveres inerentes ao seu ofício, praticasse os atos
necessários a assegurar a execução da sentença por ele proferida.
Determinou-se esse procedimento de
execução PER OFFICIUM JUDICI (Através da função de juiz), considerando-o
simples prosseguimento e complemento do ato de prolação da sentença ISTUD
OFFICIUM VENIT IN CONSEQUENTIAM CONDEMNATIONIS (As consequências desse
escritório veio a condenação) (Bartolo). Isto significou atribuir à sentença
condenatória eficácia nova, desconhecida em épocas anteriores, como é a de ser
por si só suficiente para permitir a execução, sem necessidade de nova ação e
novo contraditório: SENTENTIA HABET PARATAM EXECUTIONEM (Parecer está pronto
para execução).
A
necessidade de ação de execução para fazer valer a condenação é algo que variou
conforme as épocas.
A EQUIPARAÇÃO DA SENTENÇA AO TÍTULO
EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. A UNIFICAÇÃO DAS VIAS DE EXECUÇÃO.
Em
certo momento da história, por influência das necessidades do comércio, as
DÍVIDAS passaram a ser CONFESSADAS perante os tabeliães e os documentos que as
corporificaram foram equiparados à sentença condenatória para o efeito de
execução. OU SEJA, deu-se ao reconhecimento do DEVEDOR
perante o tabelião o mesmo significado da declaração judicial da existência do
direito, expressa na condenação.
No direito francês, perdeu-se a necessidade
de dar eficácia executiva às chamadas LETTRES OBLIGATOIRES (letras
obrigatórias). Para a aquisição de tal eficácia, as LETTRES OBLIGATOIRES tinham
que ser reconhecidas pelo devedor, QUE PRECISAVA SER CHAMADO EM JUÍZO, ou então
deveriam ser autenticadas pelos NOTÁRIOS. Somente com o aparecimento dessa função de autenticar as obrigações
escritas é que os ATOS PARTICULARES de reconhecimento de DÍVIDA passaram a
constituir TÍTULO EXECUTIVO, à
semelhança da sentença condenatória.
Com
o passar dos tempos e a sofisticação das relações comerciais, novos documentos foram QUALIFICADOS como
títulos executivos extrajudiciais,
sempre com o objetivo de facilitar a execução,
tornando-a algo que, ao invés de se basear em uma declaração judicial posterior
à verificação do direito, fundava-se apenas
em um documento que, visto em ABSTRATO (letra de CÂMBIO, NOTA PROMISSÓRIA,
CHEQUE, DEBENTURE, WRRENT, ETC...) era suficiente para fazer CRER QUE EXISTIA UM DIREITO DE CRÉDITO.
É claro que existe uma distinção visível entre a execução fundada
em condenação e a execução fundada
em documento, uma vez que:
execução fundada em condenação
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execução fundada em documento
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Há discussão, em procedimento judicial regular (procedimento de
conhecimento), sobre a existência do crédito.
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Há apenas um documento, ao qual se atribui aptidão para permitir
o início da execução.
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É exatamente por isso que se outorga ao DEVEDOR, executado a partir
de título executivo extrajudicial, a possibilidade de discutir a causa do
crédito, ao passo que ao CONDENADO apenas
são deferidas defesas que não poderiam ser opostas na fase de conhecimento, quando se verificou a existência do crédito expresso na
condenação. (muito importante isso para saber a lógica do procedimento
executivo).
Liebman,
aliás, ao apontar para o instante em que a “CONVENIÊNCIA DE RÁPIDA realização
de algumas categorias de créditos, estipulados com observância de formalidades
especiais, fez com que a legislação estatutária das cidades em que o COMÉRCIO
FLORESCENTE mal suportava as delongas do processo ordinário, reconhecesse a
eficácia da execução aparelhada aos instrumentos de dívida lavrados perante o
tabelião”, equiparando o instrumento à
sentença, não esquece de demonstrar que aí existia uma importante
diferença, NA MEDIDA EM que a execução de sentença estava amparada pela COISA
JULGADA sobre a existência do direito, O QUE REDUZIA AS POSSÍVEIS DEFESAS DO
EXECUTADO À ARGUIÇÃO DA NULIDADE DA SENTENÇA, OU DO PAGAMENTO POSTERIOR À
SENTENÇA, enquanto que, na execução que tinha por base mero instrumento,
permanecia ÍNTEGRA a possibilidade de o executado defender-se por todos os
meios. (ENRICO TULLIO LIEBMAN).
É
interessante salientar que, neste momento da história, conforme adverte
LIEBMAN, diferenciaram-se novamente as
execuções, pois na execução da sentença, QUE SE APRESENTAVA COMO SIMPLES
PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO, REDUZIDAS ERAM AS OPORTUNIDADES EM QUE O EXECUTADO
PODIA DEFENDER-SE, enquanto que, na execução que vinha baseada em instrumento,
ADMITIU-SE, AO CONTRÁRIO, verdadeira
ação executiva com prazos especiais para discussão das defesas do executado.
Se
a própria história da TEORIA DO DIREITO
PROCESSUAL evidencia que, quando se pensou em título executivo extrajudicial, as execuções foram diferenciadas, é
de se questionar a razão pela qual, mais tarde, elas foram novamente
equiparadas, exigindo-se a propositura de ação em qualquer dos casos.
Não
obstante a diferença de extensão de defesa que se deve dar ao executado,
conforme a execução esteja fundada em sentença ou em título executivo judicial,
NÃO HÁ DÚVIDA QUE A NECESSIDADE DA PROPOSITURA DE AÇÃO deve variar conforme a
base em que a execução se funda.
É
preciso perceber, nesse caso, que a execução nada mais é do que uma prestação
jurisdicional voltada à tutela do direito de crédito. Ora, quando a execução é
fundada em título executivo extrajudicial, precedendo à eventual atividade
cognitiva que pode ser instaurada pelo devedor, ela obviamente deve iniciar
mediante uma ação de execução. Porém, quando a execução é posterior à cognição,
fundando-se em sentença, ela apenas constitui a fase final da ação voltada à
tutela do direito material.
Em outras palavras, quem vai a juízo, seja a partir de mera
afirmação de direito de crédito, seja a partir de título executivo
extrajudicial, quer tutela jurisdicional do direito material.
Em um caso de ação, para prestar a tutela do direito, deve passar
pela sentença condenatória, complementando-se com a execução. No outro, a ação
dispensa a verificação do direito e, assim, a sentença condenatória,
viabilizando a imediata instauração da execução. No primeiro caso, a execução é complemento da ação; no segundo, a execução é a única prestação
jurisdicional buscada com a ação.
Perceba-se que, quando
se exige ação para a execução da sentença, essa está sendo equiparada ao título
executivo extrajudicial, quando foi esse último que, por razões decorrentes do
desenvolvimento da sociedade comercial, recebeu a eficácia própria da sentença.
A APROXIMAÇÃO entre a
execução da sentença e a execução de
título extrajudicial, considerando-se um momento mais remoto da história,
pode ser encontrada no DIREITO COMUM FRANCÊS. Aí, ao contrário do que aconteceu
em outros lugares, as características da atividade executiva, derivada de circunstâncias
políticas próprias àquele instante histórico, levaram a execução da sentença a se equiparar à execução de título
extrajudicial.
No ABSOLUTISMO, a execução era conduzida pelos FUNCIONÁRIOS DO REI, sucessores dos servidores senhores feudais, mas que, como os que lhe antecederam, não tinham qualquer dependência em relação aos juízes. Os SERGENTS DU ROY, como lembra LEIBMAN, praticavam os atos que
as leis deferiam às suas funções sem depender da vontade ou das ordens dos
juízes.
A
execução das LETRES OBLIGATOIRES (títulos extrajudiciais) e das sentenças era
realizada pelos funcionários do rei, independemente
de qualquer autorização judicial, bastando para tanto a simples existência de
obrigação reconhecida perante o notário OU de sentença.
Como
a atividade executiva não dependia do juiz, a execução como visto, era
conduzida pelos SERGENTS DU ROY. Nessa circunstância, caso o devedor quisesse
se opor à execução, fosse ela fundada em sentença ou em título extrajudicial,
teria que apresentar seus argumentos ao juiz sob a forma de ação. Tornou-se
necessária, nessa situação, uma AÇÃO do devedor contra o credor, pois o
funcionário do rei, embora autorizado à execução, NÃO TINHA PODER PARA RESOLVER
SOBRE AS IMPUGNAÇÕES DO DEVEDOR.
Diante desta situação, não há que se falar em autorização judicial para se realizar a
execução, mas sim em ação destinada a
fazer o juiz impedir a execução. De qualquer forma, o devedor, diante da
execução, tinha só a via de ação, variando apenas as matérias alegáveis, mais restritas quando a execução era fundada em sentença, enquanto a execução permanecia uma, estivesse em sua base a
sentença ou o título executivo extrajudicial. Ou seja, a execução se destacava
da sentença e da obrigação reconhecida perante o notário, adquirindo AUTONOMIA.
Tal
ATUONOMIA, além de sinal de que a execução era vista como uma ordenação de atos
praticados em conformidade estrita a lei, isto é, como algo mecânico e despido
da criatividade atualmente necessária à efetiva tutela dos direitos, evidencia
que a função jurisdicional terminava com a prolação da sentença sobre o mérito,
ainda que essa não houvesse satisfeito o direito, exatamente porque a tutela do
direito desejada pelo autor dependia da prática de atos de execução. Diante
disso, a sentença é realmente equiparada ao título executivo extrajudicial, já
que ambos guardam distância e autonimia em relação à execução.
De qualquer forma, a verdadeira explicação para a equiparação da execução de sentença à execução de título
extrajudicial está no PRINCÍPIO DA AUTONOMIA e da
UNIDADE das vias executivas, pouco importando que
mais tarde o início da execução tenha passado a depender de AUTORIZAÇÃO
JUDICIAL OU DE AÇÃO. Este princípio tem sustentação na ideia de que os INSTRUMENTOS
EXECUTIVOS não precisam estar de acordo com as diferentes necessidades de
direito material e, assim, podem aspirar à unidade, confortando-se na teoria
que desvirtuou o conceito de obrigação e, desta forma, ADMITIU que a sentença sempre condenaria a uma prestação que, em
caso de inadimplemento, poderia ser obtida através de via executiva própria ao direito de crédito.
Perceba-se
que, nos casos de EXECUÇÃO DE SENTENÇA e de EXECUÇÃO DE TITULO EXTRAJUDICIAL,
passou a existir uma VIA AUTÔNOMA e ÚNICA para a execução. Um PROCEDIMENTO único
e completamente neutro em relação ao direito material, para o qual era bastante
a existência de título executivo (sentença condenatória ou título executivo
extrajudicial).
A FALSA SUPOSIÇÃO DE QUE A SENTENÇA
CONDENATÓRIA É TUTELA JURISDICONAL DO DIREITO
A
ideia de que a condenação presta tutela jurisdicional
ao direito é admitida pela doutrina, seja por aquela que classifica as
sentenças apenas com base em CRITÉRIOS PROCESSUAIS, seja por aqueles que tentam
classificar as sentenças, inclusive a condenatória, a partir do DIREITO
MATERIAL.
Quem
admite, a partir de visão EXCLUSIVAMENTE processual,
que a condenação é tutela jurisdicional, é obrigado a supor que a condenação
basta para satisfazer o que se procura através da ação, sabido que a ação, COMO
É INEGÁVEL, deve proporcionar a tutela jurisdicional. Trata-se de uma visão
romântica ou distorcida da tutela jurisdicional, pois aposta que o devedor, apenas por ser condenado, satisfará o direito de crédito.
De
outra banda, ao se tentar pensar na CONDENAÇÃO a partir do DIREITO MATERIAL, não se consegue qualquer resultado positivo,
uma vez que a condenação é INCAPAZ de realizar o
direito material ou prestar a tutela do direito. O exemplo de Pontes de
Miranda diz isso: O DIREITO PROCESSUAL
TEM DE ATENDER À EFICÁCIA DAS AÇÕES SEGUNDO O DIREITO MATERIAL, sendo que,
em sua concepção, A AÇÃO DE CONDENAÇÃO SUPÕE QUE AQUELE OU AQUELES, A QUEM ELA
SE DIREIGE, TENHAM OBRADO CONTRA O DIREITO, QUE TENHAM CAUSADO DANO E MEREÇAM,
POR ISSO, SER CONDENADOS (con-damnare).
Porém,
a ação de DIREITO MATERIAL NÃO PODE TER eficácia
CONDENATÓRIA, uma vez que ninguém que tenha sofrido dano ou não recebido o
pagamento de seu crédito tem direito material à
condenação. A condenação é simples técnica processual, dando
contornos a uma espécie de ação que nela finaliza, mas
não serve à prestação da tutela jurisdicional do direito.
Prova: por que existe a falsa suposição
de que a sentença condenatória é tutela jurisdicional do direito? R= é porque
a condenação via sentença é simples técnica processual, a ação de direito
material não pode ter eficácia condenatória, uma vez que ninguém que tenha sofrido dano ou não recebido o pagamento de seu
crédito tem direito material à condenação.
A
perspectiva de direito material
jamais poderia atrelar a ação à condenação, pois a ela importa a tutela do
direito, obtenível através de execução, que deveria simplesmente seguir a
condenação. Já a perspectiva
eminentemente processual, para se contentar com a
condenação, vendo-a como tutela jurisdicional, foi obrigada a teoriza-la como TÍTULO
EXECUTIVO, atribuindo-lhe a qualidade de autorizar a propositura da ação de
execução.
Ou
seja, a doutrina clássica, mediante um exercício de ABSTRAÇÃO, desligou a
prestação jurisdicional do direito material, tornando a condenação mera FASE de tutela jurisdicional do direito,
porém imprescindível à propositura da ação de execução e, assim, à realização
do direito de crédito.
É
bom recordar que para LIEBMAN, a sentença condenatória tem conteúdo e função
duplos, pois, além de declarar o direito existente, FAZ VIGORAR PARA O CASO
CONCRETO AS FORÇAS COATIVAS LATENTES DA ORDEM JURÍDICA, MEDIANTE APLICAÇÃO DA
SANÇÃO ADEQUADAS AO CASO EXAMINADO - e
nisto reside a sua função específica, que a diferencia das outras sentenças
(função sancionadora). Na concepção de LIEBMAN, a sentença condenatória, ao
aplicar a sanção, constitui a situação jurídica que abre oportunidade para a
execução. LIEBMAN demonstrou, de fato, que a CONDENAÇÃO opera um fenômeno
complexo e vasto, que consiste na constituição de uma nova situação jurídica,
autônoma no que concerne à relação substancial obrigacional, fundada na
concreta vontade do Estado de que a sanção executiva seja atuada, e que resolve
subjetivamente no poder do órgão processual de proceder à atuação da sanção
executiva, no poder do credor de provoca-la (ação executiva) e na sujeição do
devedor a suportá-la (responsabilidade executiva).
A INFLUÊNCIA DA ECONOMIA LIBERAL: A
IMPORTÂNCIA DA TUTELA PELO EQUIVALENTE EM PECÚNIA E A IDONEIDADE DA CONDENAÇÃO
Na
época do Estado liberal, o Estado não intervia nas relações privadas, razão
pela qual ele não está preocupado em proteger bens ou direitos na forma
específica, ou mesmo em conceder a tutela da prestação inadimplida, devendo
apenas zelar pela liberdade e repristinar os mecanismos de mercado mediante o
sancionamento do faltoso, para o que era suficiente uma tutela jurisdicional de
sinal negativo, como a nulidade do contrato ou o pagamento de dinheiro.
Se os bens são equivalentes, e assim não merecem
tratamento diversificado, a transformação DO BEM devido em dinheiro está de acordo com a lógica do sistema, cujo objetivo é
apenas o de sancionar o faltoso, repristinando os mecanismos de mercado. Por
outro lado, se o juiz não pode dar tratamento distinto
às necessidades sociais, nada mais natural do que UNIFICAR tal forma de
tratamento, dando ao lesado valor em dinheiro. Se todos são iguais – e essa
igualdade deve ser preservada no plano do contrato -, não há razão para admitir
uma intervenção mais incisiva do juiz diante do inadimplemento, para que então
seja assegurada a tutela específica (ou do adimplemento in natura). Se o
princípio da igualdade formal atua da mesma forma diante do contrato e do
processo, o juiz SOMENTE poderia conferir ao lesado a Tutela pecuniária (Luiz
Guilherme Marinoni)
Por
outro lado, o art. 1.142 do Código Napoleão – segundo o qual toda obrigação de
fazer ou não-fazer resolve-se em PERDAS E DANOS, mais juros no caso de
inadimplemento – era apenas um reflexo dos princípios de liberdade e de defesa
da personalidade, próprios ao jus
naturalismo e ao racionalismo
iluminista. Daí a impossibilidade de se constranger O DEVEDOR ao adimplemento
na forma específica e a necessidade de a prestação ser CONVERTIDA em pecúnia.
A
partir da tutela jurisdicional expressa em pecúnia, perfeitamente adequada à
lógica do Estado liberal, construiu-se uma técnica processual que se
consubstanciava na condenação, que, em caso de inadimplemento, deveria ser
seguida pelos mecanismos executivos de expropriação, destinados a permitir a
realização forçada do direito de crédito, mediante a penhora, a venda do bem e
o pagamento do credor.
Perceba-se
que a NECESSIDADE DE TUTELA – ressarcitória
ou da prestação inadimplida – pelo EQUIVALENTE EM DINHEIRO encontra veículo
processual idôneo no binômio condenação-execução.
Não
obstante, o mesmo NÃO OCORRE em relação aos DIREITOS REAIS e, especialmente, no
que toca às novas situações de direito substancial, próprias à sociedade
contemporânea.
O DESVIRTUAMENTO DO CONCEITO DE
OBRIGAÇÃO E A EXPANSÃO DA CONDENAÇÃO
NO direito romano existia uma relação entre a
ACTIO, OBLIGATIO e a CONDEMNATIO.
A
ACTIO contrapunha-se à VINDICATIO, sendo que esta última tutelava os direitos
reais. Entendia-se que no direito real havia uma relação entre sujeito e objeto
e, assim, que a violação do direito NÃO gerava uma obrigação.
O
vencido na ação real NÃO era tratado como o devedor de alguma coisa. Apenas
sofria a VINDICATIO do proprietário; não era condenado.
No
direito real não há obrigação e, por isso, NÃO há que se falar em ACTIO e em
CONDENATIO, mas sim em VINDICATIO e interdito. A ACTIO dizia respeito apenas às
pretensões obrigacionais, enquanto o direito real era tutelado pela VINDICATIO.
Para o direito real ser tutelado, não há razão para condenar alguém, pois o
réu, nesse caso, não tem obrigação e prestação a cumprir, mas sim dever de
respeitar a propriedade. É por isso que, tratando-se de
violação à propriedade, bastava a VINDICATIO. Nesse último caso a execução era PRIVADA,
devendo ser levada a efeito pelo próprio
autor, com o auxílio do PRETOR, que concedida um interdito, mediante o qual
se exigia que o réu não se opusesse à retomada privada do bem.
Porém
, o DIREITO MODERNO transformou a
VINDICATIO em ACTIO, isto é, fez com que a ACTIO passasse a ser a ação cabível para a tutela dos direitos reais. Isto
decorreu do desvirtuamento do conceito de obrigação, que, de sua raiz
entrelaçada ORIGINARIAMENTE apenas com o contrato e com o dono, estendeu-se a
todas as relações jurídicas.
Examinando-se o nexo entre obrigação e ação de
condenação, primeiro no direito moderno, e depois no direito romano clássico,
encontra-se uma profunda distinção. Aqui, assim no direito das obrigações como
no direito real, a garantia que a lei cria ao interesse em relação a um
determinado bem, faz surgir, eventualmente, ao titular, a expectativa, e em
outra pessoa a obrigação de realizar voluntariamente esta expectativa. A
diferença essencial é que a pessoa, de frente a qual a expectativa surge, que
em um lugar é determinada desde o início, em outro se determina pela primeira
vez com violação do direito; mas em ambas as categorias de direitos, igualmente
estão presentes os elementos da expectativa e da obrigação.
De
qualquer forma, a aproximação entre as ações IN PERSONAM e as ações IN REM contribuiu
para a formação do que se passou a chamar de PERSONALIZAÇÃO do direito real,
fenômeno que teve consagração em uma conclusão de KANT, segundo a qual todo direito – real ou pessoal – resume-se em uma relação INTERPESSOAL,
vale dizer, OBRIGACIONAL ENTRE PESSOAS E NÃO NUMA RELAÇÃO ENTRE PESSOA E COISA.
KANT
não admite que as coisas possam ser objeto de direitos e deveres e sustenta que
a relação jurídica, na qual estão em relação direitos e deveres, configura-se sempre entre pessoas, oferecendo assim a primeira
configuração da TEORIA PERSONALISTA do direito real, na qual o CARÁTER ABSOLUTO
da relação torna-se a nota qualificante da categoria.
Segundo
a chamada teoria PERSONALISTA do direito real, predominante na SEGUNDA METADE do séc. XIX e na
primeira metade do séc. XX, a relação entre SUJEITO e COISA não teria
relevância jurídica, pois o direito seria constituído por regras atinentes às
relações INTERSUBJETIVAS; a relação jurídica dar-se-ia EXCLUSIVAMENTE entre sujeito e sujeito, e NÃO ENTRE sujeito
e coisa.
O
DIREITO REAL, nesta perspectiva, é configurado como poder ou pretensão de um sujeito no confronto de todos os outros
sujeitos do ordenamento, os quais são levados a SE ABSTER de qualquer
ingerência sobre a coisa. Dessa forma, o conteúdo do poder que constitui o
direito real torna-se NEGATIVO, da mesma forma que é NEGATIVO o dever geral,
que recai sobre todos os SUJEITOS DO
ORDENAMENTO, de não turbar o titular do direito no exercício do próprio
direito.
O
alargamento do conceito de obrigação, também
devido à teoria personalista do DIREITO REAL, conduzi à universalização da
sentença condenatória. A EXPANSÃO DO CONCEITO DE OBRIGAÇÃO gerou o entendimento
de que, qualquer que fosse a relação substancial
litigiosa, a execução deveria supor o inadimplemento da condenação, como se o
réu sempre estivesse obrigado a cumprir uma prestação.
A IMPROPRIEDADE DA SENTENÇA
CONDENATÓRIA PARA A TUTELA DOS DIREITOS ABSOLUTOS
Os
direitos absolutos são caracterizados por uma relação jurídica imaginária,
existente entre o titular do direito e todas as demais pessoas, que teriam, em
relação ao titular do direito, um dever de abstenção. Entretanto, o dever negativo de abstenção, que caracteriza
os chamados DIREITOS ABSOLUTOS, nada mais é do que o
DEVER DE RESPEITO ou de ALTERUM NON LAEDERE, ou seja, o dever de não invadir a esfera jurídica alheia,
dever que deve proteger todas as esferas jurídicas, todos os DIREITOS
SUBJETIVOS, e, desta forma, também os direitos relativos.
A
configuração do dever negativo de abstenção, típico do direito absoluto, como
um mero dever de ALTERUM NON LAEDERE, já deixa entrever a superação do conceito
KANTIANO de direito real e, mais do que isso, o papel que se atribuiu à figural
da RELAÇÃO JURÍDICA na dogmática do direito civil.
O
direito do ESTADO contemporâneo NÃO É MAIS um mero sistema de limites às
esferas jurídicas individuais, estando submetidos a um universo de valores
completamente diverso daquele que iluminou as concepções do final do século
XIX; o direito é visto hoje como um instrumento que, marcado principalmente
pelos valores da igualdade e da solidariedade, visa a permitir o
desenvolvimento da personalidade humana e a realização das relações sociais
através da tutela – NÃO MAIS FORMAL, mas CONCRETA – da dignidade e do
desenvolvimento do homem na comunidade em que vive.
Essa
alteração dos FINS do Estado e do direito permite que a norma seja considerada
NÃO MAIS como fonte de deveres e proibições e, consequentemente, da relação
DIREITO/OBRIGAÇÃO, mas como instrumento de valoração da atividade humana por
parte do ordenamento. Isso significa, precisamente, que o direito subjetivo,
por consequência, não precisa mais ser construído sobre a base da noção de
relação jurídica.
Se
é verdadeira a proporção segundo a qual as relações jurídicas se constituem
entre homens, NÃO O É AQUELA SEGUNDO A QUAL O DIREITO ASSEGURA UM BEM DA VIDA
ÀS PESSOAS NECESSARIAMENTE ATRAVÉS DE UMA RELAÇÃO JURÍDICA.
O problema da relevância jurídica se coloca atualmente
como qualificação do fato diretamente pela norma, ou seja, como SUBSUNÇÃO DO
FATO em um paradigma normativo
INDEPENDENTEMENTE do seus efeitos, e prescinde, obviamente, da necessidade
de construção da relevância jurídica sob o aspecto externo da relação. Assim, a
relação sujeito-coisa é
juridicamente RELEVANTE para a
identificação do tipo normativo do direito real: mas tal relação não se
configura como relação jurídica nem entre sujeito
e coisa, nem entre o sujeito e as
demais pessoas. (autor Comporti).
Na
relação jurídica há uma correlação entre a SITUAÇÃO ATIVA, dita também de
vantagem, e a SITUAÇÃO PASSIVA, que seria de desvantagem. No DIREITO REAL, porém, não há essa
correlação, exatamente porque o conteúdo do DIREITO REAL tem a ver com a
relação de utilidade com a coisa, não dependendo do adimplemento daqueles que
possuem o dever negativo de abstenção; não é possível fazer ver o conteúdo do
direito real afirmando sua relação com um DEVER NEGATIVO DE ABSTENÇÃO.
Então,
COMPORTI demonstra que TODOS OS DIREITOS são RELATIVOS em relação ao objeto e ABSOLUTOS no que
concerne a sua INVIOLABILIDADE por parte dos sujeitos do ordenamento afirmando
a oportunidade da distinção entre OPONIBILIDADE – com sua consequente
característica de inviolabilidade por parte dos terceiros – e exigibilidade do
direito, ou seja, o PODER de um sujeito obter uma determinada prestação da
parte de um outro sujeito no âmbito de uma específica relação jurídica. Assim,
todos os direitos subjetivos devem ser qualificados de ABSOLUTOS, porque
existem e são tutelados em face de terceiros. Já na perspectiva de sua
realização, ou exigibilidade, alguns realizam o seu conteúdo independentemente
da colaboração alheia, e dessa forma, com novo significado, podem ser denominados
absolutos, ENQUANTO OUTROS REALIZAM SEU CONTEÚDO NA RELAÇÃO COM OUTROS
SUJEITOS, CUJO COMPORTAMENTO É INSTRUMENTAL A SUA REALIZAÇÃO, E ENTÃO PODEM SER
QUALIFICADOS DE RELATIVOS.
Todo
o direito É INVIOLÁVEL; o CONTEÚDO particular
de cada direito é que pode dispensar, ou não, uma colaboração alheia. Os direitos da personalidade, por exemplo,
realizam o seu conteúdo INDEPENDEMENTE da colaboração alheia. O titular do direito à imagem NÃO PRECISA que alguém pratique ou deixe de praticar um ato PARA TER O
SEU DIREITO REALIZADO; quando alguém ameaça agredir o seu direito, surge
ao titular do direito à imagem a POSSIBILIDADE de EXIGIR que o eventual
agressor se ABSTENHA de praticar o ato, não porque
haja uma relação jurídica entre o titular do direito e o eventual agressor,
e, portanto, uma obrigação, mas sim porque o ordenamento garante a INVIOLABILIDADE do direito à imagem, conferindo ao seu titular uma espécie de
tutela (A INIBITÓRIA) que assegura o conteúdo do seu direito.
AS NOVAS SITUAÇÕES DE DIREITO SUBSTANCIAL
CARENTES DE TUTELA E A INADEQUAÇÃO DA CONDENAÇÃO
No
direito romano, uma vez proferida a sentença
reconhecendo o direito de propriedade, o autor poderia recuperar o objeto
de seu domínio INDEPENDENTEMENTE de qualquer colaboração do réu. Ou seja,
declarada a ILEGITIMIDADE da posse do demandado, a ação de recuperação da coisa PRESCINDIDA totalmente a vontade do
demandado, que justamente por isso não era condenado.
Algo
distinto ocorria no caso de obrigação
e condenação, já que, nessa
hipótese, por ser NATURALMENTE NECESSÁRIA UMA PRESTAÇÃO DO DEVEDOR, podia o
autor apenas manter o devedor em cativeiro à espera de um terceiro que, pagando
a dívida, o libertasse.
Nessa
perspectiva, é bastante clara a razão pela qual em uma hipótese podem ser
praticados ATOS EXECUTIVOS imediatamente e, em outra, há de se esperar o
inadimplemento para o início da execução. Contudo, a falta de adequação entre DIREITOS REAIS e CONDENAÇÃO se estende
naturalmente a outras situações de direito substancial, próprias da sociedade
contemporânea, especialmente quando se percebe a distinção entre ATO CONTRÁRIO
ao direito, inadimplemento e dano.
É
preciso perceber que a norma jurídica, no ESTADO contemporâneo, é um
instrumento que protege direitos, impondo ou proibindo condutas, ou mesmo os
assegura, permitindo o seu exercício, independemente de qualquer relação
jurídica. O direito é uma posição juridicamente tutelada. Porém, para se ter
uma posição juridicamente protegida, não é necessária a existência de uma
relação jurídica. Se uma posição é juridicamente protegida quando o conteúdo do
direito é tutelado, não é possível ignorar que a tutela de um direito pode
depender ou não da colaboração alheia. Ora, como antes demonstrado, alguns
direito realizam o seu conteúdo independentemente da colaboração alheia, ao
passo que outros realizam seu conteúdo na relação com outros sujeitos, cujo
comportamento é instrumental a sua realização.
Se
uma norma, para proteger ou assegurar um direito, impõe uma conduta ou uma
abstenção, a prática de ato contrário ao direito (a violação da norma), assim
como a ameaça da sua prática, abrem oportunidade para a tutela jurisdicional,
independentemente de relação jurídica ou de prestação devida. Nesse caso, não
há que se falar em prestação inadimplida ou em dano, mas apenas em ato
contrário ao direito.
Assim,
por exemplo, se alguém expõe à venda produto nocivo à saúde do consumidor, o
legitimado à tutela dos direitos dos consumidores pedirá a tutela de remoção
dos efeitos concretos derivados do ilícito, requerendo, como técnica processual
executiva, a busca e apreensão dos produtos. Nesse caso, como é pouco mais do
que evidente, não há razão para se pedir a condenação do infrator a uma
prestação. Isto porque o réu não é
devedor de prestação alguma. A realização do conteúdo do direito, assim
como a tutela jurisidiconal do direito, independe de qualquer colaboração do
réu. E, numa hipótese como essa, basta ao juiz DECLARAR o ilícito e mandar expedir
MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO dos
produtos, o que significa simplesmente declarar o ILÍCITO e AUTORIZAR a
retirada dos produtos do mercado.
A
declaração judicial da prática de ato contrário ao direito NÃO fica à espera de
qualquer prestação do demandado, ao contrário do que acontece quando há inadimplemento
de obrigação contratual ou dano. Quem viola uma obrigação ou comete um dano ESTÁ
OBRIGADO a uma prestação ou ao ressarcimento do dano, NÃO OCORRENDO O MESMO
QUANDO SE PRATICA UM ATO CONTRÁRIO AO DIREITO. Nesse último caso, não há que se
esperar algo ou alguma prestação de quem praticou o ilícito, RESTANTO À JURISDIÇÃO APENAS REMOVER OS SEUS EFEITOS
CONCRETOS.
Quem
viola uma obrigação ou comete um dano
|
SE PRATICAR UM ATO CONTRÁRIO AO
DIREITO
|
Á
OBRIGADO a uma prestação ou ao ressarcimento
do dano
|
O
juiz vai REMOVER seus efeitos concretos.
|
No
caso em que a sentença declara a
probabilidade da violação ou a violação
do direito, o direito obviamente NÃO depende de qualquer prestação, sendo
absolutamente desnecessário esperar algo do demandado para implementar a tutela
jurisdicional. Em tais situações, o juiz não atual no lugar do demandado, nem
para suprir algo que é por ele devido.
Quando
se inibe o ilícito ou se remove os seus efeitos, a ameaça ao direito ou a prática do ilícito NÃO requerem qualquer prestação do réu, sendo
necessários atos de COERÇÃO apenas
para que a declaração contida na sentença se transforme
em realidade, ao passo que, nos casos de ressarcimento ou de adimplemento,
há declaração de algo que ainda precisa ser feito, aparecendo a execução como
indispensável para realizar o que deveria ter sido prestado pelo demandado.
Os
direitos que realizam o seu conteúdo INDEPENDENTEMENTE da colaboração alheia,
ou que SÃO TUTELADOS sem que seja NECESSÁRIA uma
prestação devida pelo DEVEDOR da
relação jurídica, exigem uma forma de execução que não se destina a
fazer valer uma prestação inadimplida, e assim não devem ser tutelados através
da condenação.