concuseiro way banner

domingo, 13 de julho de 2014

Questões de prova de concurso público - Discursiva 3

1)O princípio do Kompetenz-Kompetenz, no Processo Penal, é absoluto? 

Segundo Luiz Guilherme Marinoni, tratando da competência da competência, diz que ”Este é o princípio que baliza toda a verificação e os incidentes  a respeito da competência. De acordo com esse princípio(chamado, pelos alemães, de Kompetenz- Kompetenz), todo juiz tem competência para apreciar sua competência para examinar determinada causa. Trata-se de decorrência inevitável  da cláusula que outorga ao magistrado  da causa o poder  de verificar a satisfação dos pressupostos processuais. Se a competência  é um destes pressupostos, é natural que o juiz da causa tenha o poder de decidir(ao menos em primeira análise) sobre sua competência (Manual do Processo de Conhecimento, pág 49, 5. ed).

No Processo Penal, ao contrário do Processo Civil, mesmo a incompetência relativa pode ser conhecida de ofício, nos moldes do art.109 do Código de Processo Penal, pois o julgamento pelo juiz competente, em tal visão,  reforça a tutela da liberdade.

Ocorre que há uma hipótese, no Processo Penal, em que o Judiciário deixa de ser juiz da sua própria competência: o denominado arquivamento indireto. Trata-se da hipótese em que o membro do Ministério Público  se manifesta no sentido da incompetência do Juízo na fase investigatória, discordando o magistrado da manifestação do parquet. O Supremo Tribunal Federal, nesses casos, ainda que por remissão a acórdãos antigos, tem entendido que cabe a aplicação analógica do art.28 do CPP, como se arquivamento fosse, o denominado “arquivamento indireto”:

ACO 1658 / PR - PARANÁ
AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA
Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI
Julgamento: 14/12/2011
Publicação
DJe-239 DIVULG 16/12/2011 PUBLIC 19/12/2011
Partes
AUTOR(A/S)(ES)      : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES)      : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
REU(É)(S)           : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
PROC.(A/S)(ES)      : PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ
Decisão
    Vistos.
    Trata-se de conflito de atribuições suscitado pelo Juiz de Direito da Comarca de Cândido Rondon/PR em face do Ministério Público do Estado do Paraná, cujo objeto é o reconhecimento da competência do Parquet estadual para atuar no presente inquérito
que investiga suposto crime de porte ilegal de arma e munição.
    A questão teve início com a decisão do Juiz da 1ª Vara Federal de Toledo/PR que declinou de sua competência em favor da Justiça Estadual, tendo sido, então, os autos remetidos à Comarca de Cândido Rondom/PR.
    Ouvido o Ministério Público estadual, este requereu fossem os autos encaminhados à Procuradoria Geral de Justiça, com fulcro no art. 28 do CPP, uma vez que não reconhecia sua competência para atuar no caso, o que equivaleria a um pedido de “arquivamento indireto”.
    Todavia, o Juiz de Direito de Cândido Rondon/PR, por entender presente, na hipótese, conflito de atribuições entre órgãos ministeriais, remeteu o caso ao Supremo Tribunal Federal.
    Ouvido o Procurador Geral da República, este pugna que a questão “não se caracteriza, no entanto, como conflito de atribuição, pois trata-se de hipótese de arquivamento indireto, ao qual deve ser aplicado o artigo 28 do Código de Processo Penal”
(fl. 76).
    Com efeito, segundo precedente citado no parecer ministerial de fls. 75-76:
    “CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES. JUIZ E MP FEDERAL. PEDIDO DE ARQUIVAMENTO INDIRETO (ART-28 DO CPP). A RECUSA DE OFERECER DENUNCIA POR CONSIDERAR INCOMPETENTE O JUIZ, QUE NO ENTANTO SE JULGA COMPETENTE, NÃO SUSCITA UM CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES, MAS UM PEDIDO DE ARQUIVAMENTO INDIRETO QUE DEVE SER TRATADO A LUZ DO ART-28 DO CPP. CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES NÃO CONHECIDO.    (STF, Plenário, j. ¼/1982, Rel. Min. Rafael Mayer).
    Assim, não conheço do presente conflito de atribuições e determino a remessa dos autos à Procuradoria Geral de Justiça do Estado do Paraná.
    Brasília, 14 de dezembro de 2011.
Ministro RICARDO LEWANDOWSKI
Relator



Assim, em tal hipótese, deixa o Judiciário de ser “juiz” da sua própria competência. Trata-se a, meu ver, de indevida supressão do poder jurisidicional, já que há possíveis outras soluções processuais para o caso, sem que a acusação  defina a  jurisdição. Nesse sentido, completo e didático artigo de  Rogério Roberto Gonçalves de Abreu:

Arquivamento indireto de inquérito evita conflito(http://www.conjur.com.br/2012-mai-03/arquivamento-indireto-inquerito-afasta-conflito-competencia, acesso em 03/07/2014)

“Embora seja uma figura pouco aceita pelos juristas, a doutrina processual penal brasileira não se furta em apresentar, descrever e examinar aquilo que se convencionou chamar de pedido indireto de arquivamento, mais conhecido como arquivamento indireto.
A situação é a seguinte: inquérito policial é instaurado, sendo distribuído a uma vara para a fixação do representante do Ministério Público oficiante. Esse membro do MP, contudo, até o encerramento do inquérito, manifesta-se pela incompetência do juízo para processar e julgar eventual ação penal e, como conseqüência, declara a si próprio sem atribuições para oferecer denúncia. Assim, pede ao juiz que remeta os autos do inquérito policial já instaurado, encerrado ou não, ao juízo que considera competente para que o “promotor natural” venha a formar sua opinio delicti e denunciar, pedir o arquivamento ou requisitar da autoridade policial novas diligências.
Se o juiz concorda com o representante do Ministério Público, tudo bem: determina a baixa na distribuição e a remessa dos autos ao juízo apontado como competente, para que lhes providencie o encaminhamento ao respectivo representante do Ministério Público com atribuições para atuar naquela apuração.
O problema ocorre quando o juiz a quem se pede a declinação da competência não concorda com a promoção ministerial e se considera competente para processar e julgar aquela causa.
Nesse caso, uma vez que o juiz não poderia obrigar o representante do Ministério Público a oferecer denúncia, a situação se assemelharia a um  pedido “indireto” de arquivamento do inquérito policial, de modo que a providência teria que seguir os mesmos moldes do pedido direto de arquivamento: deveria o juiz de direito aplicar o artigo 28 do Código de Processo Penal e determinar a remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça. No âmbito da justiça federal, caberia ao juiz federal aplicar o artigo 62 da Lei Complementar n. 75, de 1993, e remeter os autos à Câmara de Coordenação e Revisão Criminal do Ministério Público Federal.
Assim, se o Procurador-Geral ou a Câmara de Coordenação e Revisão Criminal entenderem que assiste razão ao membro de primeiro grau do Ministério Público, insistirá no pedido, ficando a ele obrigado o juiz de primeiro grau. Do contrário, oferecerá denúncia por si ou designará outro membro do MP que atue como sua longa manus.

Esse entendimento, na prática, submete o Poder Judiciário ao Ministério Público na definição de sua competência, violando um dos mais fundamentais postulados acerca do assunto: o de que é do Poder Judiciário a competência para decidir sobre sua própria competência (Kompetenz-Kompetenz).

Nenhum comentário:

Postar um comentário