1)O princípio do Kompetenz-Kompetenz, no Processo Penal,
é absoluto?
Segundo Luiz Guilherme Marinoni, tratando da
competência da competência, diz que ”Este é o princípio que baliza toda a verificação e os
incidentes a respeito da competência. De
acordo com esse princípio(chamado, pelos alemães, de Kompetenz- Kompetenz),
todo juiz tem competência para apreciar sua competência para examinar
determinada causa. Trata-se de decorrência inevitável da cláusula que outorga ao magistrado da causa o poder de verificar a satisfação dos pressupostos
processuais. Se a competência é um
destes pressupostos, é natural que o juiz da causa tenha o poder de decidir(ao
menos em primeira análise) sobre sua competência (Manual
do Processo de Conhecimento, pág 49, 5. ed).
No Processo Penal, ao contrário do Processo
Civil, mesmo a incompetência relativa pode ser conhecida de ofício, nos moldes
do art.109 do Código de Processo Penal, pois o julgamento pelo juiz competente,
em tal visão, reforça a tutela da
liberdade.
Ocorre que há uma hipótese,
no Processo Penal, em que o Judiciário deixa de ser juiz da sua própria
competência: o
denominado arquivamento indireto. Trata-se da hipótese em que o
membro do Ministério Público se
manifesta no sentido da incompetência do Juízo na fase investigatória,
discordando o magistrado da manifestação do parquet. O Supremo Tribunal
Federal, nesses casos, ainda que por remissão a acórdãos antigos, tem entendido
que cabe a aplicação analógica do art.28 do CPP, como se arquivamento fosse, o
denominado “arquivamento indireto”:
ACO 1658 / PR - PARANÁ
AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA
Relator(a):
Min. RICARDO LEWANDOWSKI
Julgamento: 14/12/2011
Publicação
DJe-239 DIVULG 16/12/2011 PUBLIC 19/12/2011
Partes
AUTOR(A/S)(ES) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
REU(É)(S) : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO
PARANÁ
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO
DO PARANÁ
Decisão
Vistos.
Trata-se de conflito de atribuições suscitado pelo Juiz de Direito da
Comarca de Cândido Rondon/PR em face do Ministério Público do Estado do Paraná,
cujo objeto é o reconhecimento da competência do Parquet estadual para atuar no
presente inquérito
que investiga suposto crime de porte ilegal
de arma e munição.
A
questão teve início com a decisão do Juiz da 1ª Vara Federal de Toledo/PR que
declinou de sua competência em favor da Justiça Estadual, tendo sido, então, os
autos remetidos à Comarca de Cândido Rondom/PR.
Ouvido o Ministério Público estadual, este requereu fossem os autos
encaminhados à Procuradoria Geral de Justiça, com fulcro no art. 28 do CPP, uma
vez que não reconhecia sua competência para atuar no caso, o que equivaleria a
um pedido de “arquivamento indireto”.
Todavia, o Juiz de Direito de Cândido Rondon/PR, por entender presente,
na hipótese, conflito de atribuições entre órgãos ministeriais, remeteu o caso
ao Supremo Tribunal Federal.
Ouvido o Procurador Geral da República, este pugna que a questão “não se
caracteriza, no entanto, como conflito de atribuição, pois trata-se de hipótese
de arquivamento indireto, ao qual deve ser aplicado o artigo 28 do Código de
Processo Penal”
(fl. 76).
Com efeito, segundo precedente citado no parecer ministerial de fls.
75-76:
“CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES. JUIZ E MP FEDERAL. PEDIDO DE ARQUIVAMENTO
INDIRETO (ART-28 DO CPP). A RECUSA DE OFERECER DENUNCIA POR CONSIDERAR
INCOMPETENTE O JUIZ, QUE NO ENTANTO SE JULGA COMPETENTE, NÃO SUSCITA UM
CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES, MAS UM PEDIDO DE ARQUIVAMENTO INDIRETO QUE DEVE SER
TRATADO A LUZ DO ART-28 DO CPP. CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES NÃO CONHECIDO. (STF, Plenário, j. ¼/1982, Rel. Min. Rafael
Mayer).
Assim, não conheço do presente conflito de atribuições e determino a
remessa dos autos à Procuradoria Geral de Justiça do Estado do Paraná.
Brasília, 14 de dezembro de 2011.
Ministro RICARDO LEWANDOWSKI
Relator
Assim, em tal hipótese, deixa o Judiciário
de ser “juiz” da sua própria competência. Trata-se a, meu ver, de indevida
supressão do poder jurisidicional, já que há possíveis outras soluções
processuais para o caso, sem que a acusação
defina a jurisdição. Nesse
sentido, completo e didático artigo de
Rogério Roberto Gonçalves de Abreu:
Arquivamento indireto de inquérito evita
conflito(http://www.conjur.com.br/2012-mai-03/arquivamento-indireto-inquerito-afasta-conflito-competencia,
acesso em 03/07/2014)
“Embora seja uma figura pouco aceita pelos
juristas, a doutrina processual penal brasileira não se furta em apresentar,
descrever e examinar aquilo que se convencionou chamar de pedido indireto de
arquivamento, mais conhecido como arquivamento indireto.
A situação é a seguinte: inquérito policial
é instaurado, sendo distribuído a uma vara para a fixação do representante do
Ministério Público oficiante. Esse membro do MP, contudo, até o encerramento do
inquérito, manifesta-se pela incompetência do juízo para processar e julgar
eventual ação penal e, como conseqüência, declara a si próprio sem atribuições
para oferecer denúncia. Assim, pede ao juiz que remeta os autos do inquérito
policial já instaurado, encerrado ou não, ao juízo que considera competente
para que o “promotor natural” venha a formar sua opinio delicti e denunciar,
pedir o arquivamento ou requisitar da autoridade policial novas diligências.
Se o juiz concorda com o representante do
Ministério Público, tudo bem: determina a baixa na distribuição e a remessa dos
autos ao juízo apontado como competente, para que lhes providencie o
encaminhamento ao respectivo representante do Ministério Público com
atribuições para atuar naquela apuração.
O problema ocorre quando o juiz a quem se
pede a declinação da competência não concorda com a promoção ministerial e
se considera competente para processar e julgar aquela causa.
Nesse caso, uma vez que o juiz não poderia
obrigar o representante do Ministério Público a oferecer denúncia, a situação
se assemelharia a um pedido “indireto”
de arquivamento do inquérito policial, de modo que a providência teria que
seguir os mesmos moldes do pedido direto de arquivamento: deveria o juiz de
direito aplicar o artigo 28 do Código de Processo Penal e determinar a remessa
dos autos ao Procurador-Geral de Justiça. No âmbito da justiça federal, caberia
ao juiz federal aplicar o artigo 62 da Lei Complementar n. 75, de 1993, e
remeter os autos à Câmara de Coordenação e Revisão Criminal do Ministério
Público Federal.
Assim, se o Procurador-Geral ou a Câmara de
Coordenação e Revisão Criminal entenderem que assiste razão ao membro de
primeiro grau do Ministério Público, insistirá no pedido, ficando a ele obrigado o juiz de
primeiro grau. Do contrário, oferecerá denúncia por si ou
designará outro membro do MP que atue como sua longa manus.
Esse entendimento, na prática, submete o
Poder Judiciário ao Ministério Público na definição de sua competência,
violando um dos mais fundamentais postulados acerca do assunto: o de que é do
Poder Judiciário a competência para decidir sobre sua própria competência
(Kompetenz-Kompetenz).
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