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segunda-feira, 14 de julho de 2014

Questões de prova de concurso público - Discursiva 4

1)A usucapião especial urbana pode ser reconhecida e ser objeto de registro no cartório de registro de imóveis sem que, necessariamente, exista uma sentença judicial? 


R=Tradicionalmente a usucapião, definida como modalidade de aquisição originária da propriedade através da prescrição aquisitiva, é reconhecida através de sentença judicial de carga eficacial preponderantemente declaratória. A necessidade de um provimento judicial está tão arraigada ao instituto, que o próprio CC/02 – repetindo na literalidade dispositivo do CC/16 – fez-lhe referência expressa no art. 1.238, caput, no trecho “assim o declare por sentença”:

“Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.”

Contudo, a exigência de provimento judicial para o reconhecimento da usucapião não foi repetida nos demais dispositivos do CC pertinentes à usucapião, principalmente nos arts. 1.239 e 1.240 – que não encontram equivalente no CC/16 – ao tratarem da usucapião especial rural e urbana.

Comumente a usucapião é declarada via sentença judicial por força do art. 1.241 do CC e art. 941 do CPC, que estabelecem que a usucapião será declarada judicialmente, via ação direta:

“Art. 1.241. Poderá o possuidor requerer ao juiz seja declarada adquirida, mediante usucapião, a propriedade imóvel.
Parágrafo único. A declaração obtida na forma deste artigo constituirá título hábil para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.”

“Art. 941. Compete a ação de usucapião ao possuidor para que se lhe declare, nos termos da lei, o domínio do imóvel ou a servidão predial.”

Ainda no âmbito judicialmente, admite-se a declaração de usucapião através da via incidental quando arguida em matéria de defesa, o que é legalmente admitido para as modalidades especiais de usucapião, consoante autorização do art. 7º da Lei 6.969/81 e art. 13 da Lei 12.257/01 - Estatuto da Cidade:

“Art. 7º - A usucapião especial poderá ser invocada como matéria de defesa, valendo a sentença que a reconhecer como título para transcrição no Registro de Imóveis.”

“Art. 13. A usucapião especial de imóvel urbano poderá ser invocada como matéria de defesa, valendo a sentença que a reconhecer como título para registro no cartório de registro de imóveis.”

Doutrinariamente, defende-se ampliação da possibilidade de registro da usucapião arguida como defesa em processo judicial também para as outras modalidades – como consta do Enunciado 315 da IV Jornada de Direito Civil do CJF – tese, contudo, ainda não acolhida pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, frise-se.

No entanto, a questão não tratou propriamente disso, mas da possibilidade de se levar a registro no cartório de registro de imóveis um título que declare a usucapião, sem que este título seja, necessariamente, uma sentença.

Para fins de registro histórico sob a ordem constitucional pretérita – quando ainda era admissível o usucapião de terras devolutas – o § 2º do art. 4º da Lei 6.969/81 admitiu expressamente o reconhecimento administrativo desta modalidade de usucapião, servindo o ato administrativo que assim dispusesse como título hábil para registro imobiliário. In litteris:

“Art. 4º - A ação de usucapião especial será processada e julgada na comarca da situação do imóvel.
§ 2º - No caso de terras devolutas, em geral, a usucapião especial poderá ser reconhecida administrativamente, com a conseqüente expedição do título definitivo de domínio, para transcrição no Registro de Imóveis.”

Por óbvio, a norma acima transcrita não foi recepcionada pela Constituição de 1988, face a proibição de usucapião de imóveis públicos, constante dos arts. 183, § 3º, 191, parágrafo único, e da definição de terras devolutas como bens públicos, nos arts. 20, II, 26, IV.

Contudo, mesmo com a vedação de usucapião de bens públicos, o § 1º do art. 183 da CF foi claro ao estabelecer a possibilidade de “concessão de uso” àqueles que detivessem a posse ad usucapionem por 5 anos sobre área urbana de até 250 m2:

“Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.”

A MP 2.220/01, ainda em vigor por força do art. 2º da EC 31/01, ao regulamentar esse dispositivo constitucional reconheceu no art. 1º a concessão de direito real de uso especial para fins de moradia sobre bens públicos, desde que atendidos certos requisitos temporais:

“Art. 1o  Aquele que, até 30 de junho de 2001, possuiu como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, até duzentos e cinqüenta metros quadrados de imóvel público situado em área urbana, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, tem o direito à concessão de uso especial para fins de moradia em relação ao bem objeto da posse, desde que não seja proprietário ou concessionário, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural.”

O art. 6º da MP 2.220/01 foi expresso em admitir a possibilidade de reconhecimento administrativo deste direito real, cujo suporte fático em muito se assemelha à usucapião especial urbana:

“Art. 6º  O título de concessão de uso especial para fins de moradia será obtido pela via administrativa perante o órgão competente da Administração Pública ou, em caso de recusa ou omissão deste, pela via judicial.”

Do que fora apontado acima, pode-se concluir, cientificamente, que o pronunciamento judicial não é essencial para o reconhecimento válido da usucapião, desde que exista norma que autorize o reconhecimento administrativo ou extrajudicial da prescrição aquisitiva da propriedade ou de outro direito real. Tal norma permissiva funcionaria como norma especial aos arts. 1.241 do CC e art. 941 do CPC, sem, contudo, revogá-los, consoante o critério da especialidade das leis previsto no art. 2º, § 2º, da LIN (antiga LICC). Isto porque, a rigor, o pronunciamento judicial não compõe o suporte fático do instituto da usucapião, cujo fato gerador se restringe apenas à posse, ao ânimo de dono e ao decurso de tempo.

Postas tais diretrizes, é de destacar que nos últimos anos em razão da “crise do judiciário” e do advento da EC 45/04, verificou-se a desjudicialização como política legislativa, do que são exemplos a arbitragem (Lei 9.307/96), a mediação e conciliação como métodos alternativos de resolução de conflitos (Resolução 125/10 do CNJ), a Câmara de conciliação e arbitragem da administração federal (Ato Regimental 5/07 da AGU) e o inventário, partilha, separação e divórcio consensuais por via administrativa (Lei 11.441/07).

A usucapião, mesmo que de forma tímida e restrita, como se verá a seguir, passou a integrar este seleto rol de medidas de desjudicialização, que passaram a ser admitidas e incentivadas na esfera administrativa ou extrajudicial, pautada na autonomia da vontade dos indivíduos, como expressão da dignidade da pessoa humana, demonstrando que os cidadãos modernos não necessitam da fiscalização permanente do estado-juiz, sendo eles mesmos efetivos protagonistas de suas vidas e patrimônios, reservando-se preferencialmente – mas não obrigatoriamente, dada a inafastabilidade garantida no art. 5º, XXXV, da CF – a jurisdição aos conflitos que não possam ser solucionados de outra maneira.

A Lei 11.977/09 – Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), instituiu a conversão da legitimação de posse em propriedade, instituto conhecido doutrinariamente como “usucapião administrativa”, sendo um mecanismo ágil, eficiente e menos oneroso para a regularização fundiária da ocupação do solo urbano, de importância ímpar para concretizar o direito social à moradia, previsto no art. 6º da CF.

Os arts. 46, 47, III, IV, VII, do PMCMV definem o que vem a ser regularização fundiária de interesse social, demarcação urbanística e legitimação de posse, enquanto importantes institutos do direito urbanístico:

“Art. 46.  A regularização fundiária consiste no conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Art. 47.  Para efeitos da regularização fundiária de assentamentos urbanos, consideram-se:
III – demarcação urbanística: procedimento administrativo pelo qual o poder público, no âmbito da regularização fundiária de interesse social, demarca imóvel de domínio público ou privado, definindo seus limites, área, localização e confrontantes, com a finalidade de identificar seus ocupantes e qualificar a natureza e o tempo das respectivas posses; 
IV – legitimação de posse: ato do poder público destinado a conferir título de reconhecimento de posse de imóvel objeto de demarcação urbanística, com a identificação do ocupante e do tempo e natureza da posse;
VII – regularização fundiária de interesse social: regularização fundiária de assentamentos irregulares ocupados, predominantemente, por população de baixa renda, nos casos: (...)”

Paralelamente a isto, as alíneas ‘t’ e ‘u’ do inciso V do art. 4º do Estatuto da Cidade classificam a demarcação urbanística para fins de regularização fundiária e a legitimação de posse como institutos jurídicos da política urbana, conforme reserva de competência prevista no art. 182, caput, da CF para o estabelecimento de diretrizes gerais por intermédio de lei federal.

Na última fase do procedimento de regularização fundiária de interesse social, após a averbação do auto de demarcação urbanística e do registro do parcelamento no cartório de registro de imóveis, o poder público (União, Estados ou Municípios) concederá aos ocupantes cadastrados um título de legitimação de posse, conforme art. 58 da Lei 11.977/09, que é um ato administrativo que identifica o tempo, a natureza da posse e a pessoa do ocupante do imóvel:

“Art. 58.  A partir da averbação do auto de demarcação urbanística, o poder público deverá elaborar o projeto previsto no art. 51 e submeter o parcelamento dele decorrente a registro.
§ 1º  Após o registro do parcelamento de que trata o caput, o poder público concederá título de legitimação de posse aos ocupantes cadastrados.”

Frisamos que a legitimação de posse qualifica juridicamente a situação de fática que é a posse, possui a natureza de um direito pessoal (e não real), que assegura a seu detentor a posse direita para fins de moradia. A legitimação de posse não poderá ser concedida a quem já for concessionário, foreiro ou proprietário de outro imóvel urbano ou rural nem a quem já fora beneficiado por outra legitimação de posse, conforme art. 59 e § 1º da Lei 11.977/09, no que praticamente repete os requisitos da usucapião especial urbana previstos no art. 183, caput, da CF. In litteris:

“Art. 59.  A legitimação de posse devidamente registrada constitui direito em favor do detentor da posse direta para fins de moradia.  (Redação dada pela Lei nº 12.424, de 2011)
§ 1º A legitimação de posse será concedida aos moradores cadastrados pelo poder público, desde que: (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 12.424, de 2011)
I - não sejam concessionários, foreiros ou proprietários de outro imóvel urbano ou rural; (Redação dada pela Lei nº 12.424, de 2011)
II - não sejam beneficiários de legitimação de posse concedida anteriormente. (Redação dada pela Lei nº 12.424, de 2011)”

Por seu turno, o ato administrativo da legitimação de posse constitui título apto a registro na matricula do respectivo imóvel junto ao cartório de registro de imóveis, nos termos do art. 167, I, item 41, da Lei 6.015/73 – Lei de Registros Públicos (LRP). A partir deste registro, a posse passa a ser considerada como legitimamente titulada, passando a existir, doravante, uma presunção de conhecimento por terceiros, derivada da publicidade registral prevista no art. 1º da Lei 8.935/94. Citamos os dispositivos legais:

“Art. 167 - No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos.
 I - o registro: (Redação dada pela Lei nº 6.216, de 1975).
41.  da legitimação de posse; (Incluído pela Lei nº 11.977, de 2009)”

“Art. 1º Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.”

Decorrido o prazo legal de 5 anos da usucapião especial urbana desde o registro da legitimação, sem que haja oposição, o possuidor poderá requerer ao oficial de registro de imóveis a conversão do título em registro de propriedade, tendo em vista sua aquisição por usucapião, segundo o art. 60, caput, da Lei 11.977/09:

“Art. 60.  Sem prejuízo dos direitos decorrentes da posse exercida anteriormente, o detentor do título de legitimação de posse, após 5 (cinco) anos de seu registro, poderá requerer ao oficial de registro de imóveis a conversão desse título em registro de propriedade, tendo em vista sua aquisição por usucapião, nos termos do art. 183 da Constituição Federal.”

Destacamos que a forma pacífica da posse será comprovada junto ao registro de imóveis segundo o § 1º, inciso I, do art. 60 do PMCMV, através das “certidões do cartório distribuidor demonstrando a inexistência de ações em andamento que versem sobre a posse ou a propriedade do imóvel”, sendo a lei expressa no § 2o deste art. 60 que “as certidões previstas no inciso I do § 1o serão relativas à totalidade da área e serão fornecidas pelo poder público”.

O uso útil do imóvel de propriedade de outrem para fins de moradia pelo lapso da prescrição aquisitiva, sem que o anterior proprietário nada reclame, é a expressão máxima da função social da propriedade prevista no art. 5º, XXIII, da CF, já que o antigo proprietário quedar-se-á despojado da propriedade do bem, exatamente por não haver observado as finalidades econômicas e sociais, que passará a pertencer a outrem a quem serviu com sua função social de moradia.

A conversão da legitimação em propriedade se cuida de uma nova modalidade de aquisição originária da propriedade imóvel, bastante semelhante à usucapião especial urbana. A conversão da legitimação de posse em propriedade será um ato de competência do oficial registrador de imóveis que, igualmente, constituirá um título hábil para registro na matrícula do imóvel, conforme art. 167, I, item 42, da LRP:

“Art. 167 - No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos.
I - o registro: (Redação dada pela Lei nº 6.216, de 1975)
42.  da conversão da legitimação de posse em propriedade, prevista no art. 60 da Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009; (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)”

No ponto frisamos que, embora num primeiro momento o PMCMV apenas possibilitasse a usucapião administrativa de imóveis de até 250 m2, a Lei 12.424/11 incluiu um § 3º no art. 60 da Lei 11.977/09 que ampliou a possibilidade de conversão da legitimação de posse em propriedade para terrenos urbanos com área superior a 250 m2, desde que previamente inseridos no auto de demarcação urbanística da regularização fundiária de interesse social. Contudo, sendo o imóvel urbano maior que 250m2, o tempo necessário à conversão da legitimação de posse em propriedade será o estabelecido em lei para a usucapião respectiva, sendo possível deduzir que o prazo será de 10 anos, da usucapião extraordinária imobiliária abreviada pela função social da moradia, conforme parágrafo único do art. 1.238 do CC. Citamos os dispositivos:

“Art. 60. (...)
§ 3o  No caso de área urbana de mais de 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados), o prazo para requerimento da conversão do título de legitimação de posse em propriedade será o estabelecido na legislação pertinente sobre usucapião. (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)”

“Art. 1.238. (...)
Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.”

Do exposto acima, denota-se que a particularidade da usucapião administrativa (conversão da legitimação de posse em propriedade) é que apenas o tempo de posse legitimamente titulada, é dizer, após o registro da legitimação de posse no cartório de imóveis, é que será computado para fins de prescrição aquisitiva a ser declarada pelo oficial de registro.

O tempo de posse com animus domini anterior ao registro da legitimação no cartório de registro de imóveis não se prestará para fins da prescrição aquisitiva da conversão em propriedade.

Contudo, a teor do art. 60, caput, in limine, da Lei 11.977 (“Sem prejuízo dos direitos decorrentes da posse exercida anteriormente...”), continuará sendo possível que o tempo não titulado seja computado para fins de usucapião, entretanto o interessado deverá optar obrigatoriamente pela via judicial para que o tempo anterior ao registro da legitimação seja considerado na declaração da usucapião pelo juiz, através de sentença. Inclusive nada obsta que se considere no processo judicial também o tempo de posse já titulada em conjunto com o tempo de posse não titulado para efeito de totalização da prescrição aquisitiva, sendo até de mais fácil constatação probatória.


Por hoje é só!!!
abraços!

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