1) Disserte Uso e usufruto.
Nas palavras de Orlando Gomes, “o
usufruto de direitos consiste na atribuição a outrem das utilidades de um
direito, durante um certo período de tempo, resguardada a sua existência e
integridade” (Gomes, Orlando. “Usufruto de direitos”. In: Revista Forense, v.
180, p. 36-41).
Na lição de Caio Mário da Silva
Pereira, “usufruto é o direito real de fruir as utilidades e frutos de uma
coisa sem alterar-lhe a substância, enquanto temporariamente destacado da
propriedade” (Instituições de direito civil - direitos reais, 18. ed. Rio de
Janeiro, Forense, v. IV, 2003).
O atual Código Civil não reproduziu o
art. 726 do Código Civil de 1916, que disciplinava o quase-usufruto, ou
usufruto impróprio, incidente sobre as coisas consumíveis - às quais, para esse
efeito, se equipararam às fungíveis - e que caíam no domínio do usufrutuário,
que se obrigava a restituí-las no equivalente em gênero, qualidade e
quantidade, regendo-se, no geral, pelas regras do mútuo.
As coisas consumíveis e fungíveis não
mais podem ser dadas em usufruto, como objeto principal, havendo o Código Civil
de 2002 resgatado a pureza da garantia real, exigindo a preservação da substância
- ressalva-se apenas a exceção do art. 1.392, § 1º, que trata dos acessórios e
acrescidos consumíveis.
Quanto às florestas e recursos
minerais passíveis de exploração, vigora a convenção entre as partes. No
silêncio do título, somente se admite a extração, pelo usufrutuário, se as
árvores já se destinavam pelo proprietário para o corte, ou se já havia
atividade de exploração mineral no terreno (Viana, Marco Aurélio S. Comentários
o novo Código Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2003, v. XV I, p. 628).
Via de regra, portanto, o
usufrutuário faz jus aos frutos (naturais ou civis) e às utilidades, mas, não,
aos produtos.
Características do usufruto: a) é
direito real sobre coisa alheia móvel, imóvel, bens incorpóreos e até sobre uma
universalidade, gravando temporariamente o (os) bem(s) em favor de uma pessoa
(por isso alguns autores, indevidamente, denominam-no servidão pessoal), com
efeito erga omnes, distinguindo- se, portanto, da locação; b) é temporário,
podendo ser a termo, ou sob condição resolutiva, quando muito vitalício,
extinguindo-se com a morte do usufrutuário, pela sua natureza personalíssima;
c) provoca o desdobramento da posse, atribuindo a posse direta ao usufrutuário
e reservando a posse indireta ao nu-proprietário; d) é intransmissível, podendo
apenas ser cedido o seu exercício (art. 1.393, do Código Civil); e) quando
decorrer de ato inter vivos, constitui-se por ato solene quando envolver
imóveis;
O Código Civil de 2002 não prevê a
possibilidade de constituição de usufruto vidual dos cônjuges (art. 1.611,
CC/1916) e companheiros supérstites (art. 2º, Ie II, da Lei n. 8.971/94), sobre
parte dos bens do falecido, porque atualmente concorrem eles em propriedade
plena com os herdeiros de primeira e segunda classe. Os usufrutos viduais constituídos
antes da vigência do Código Civil de 2002 continuam a produzir os seus efeitos,
até que sejam extintos.
Já o uso é direito real mais
restrito, limitado às necessidades próprias e da família do usuário.
No dizer de Caio Mário da Silva
Pereira, a principal distinção entre os direitos reais do usufruto e de uso
está em que “enquanto o usufrutuário aufere toda a fruição da coisa, ao usuário
não é concedida senão a utilização reduzida aos limites de suas necessidades”
(Instituições de direito civil, 18. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1995, v. IV,
p. 307).
É certo que a cabeça do artigo 1.412,
do Código Civil, refere que o usuário não somente usará a coisa, como também
receberá os frutos, quando o exigirem as necessidades suas e de sua família.
Pode receber frutos naturais e civis, mas na medida de suas necessidades.
Pontes de Miranda diz que os frutos destinados ao consumo por necessidade
integram o conceito de uso, e não de fruição (Tratado de direito privado. Rio
de Janeiro, Borsoi, 1973, v. X IX , p. 323).
Podemos lembrar, ainda, do Enunciado
252 da III Jornada de Direito Civil:
“A extinção do usufruto pelo não-uso,
de que trata o art. 1.410, inc. VIII, independe do prazo previsto no art.
1.389, inc. III, operando-se imediatamente. Tem-se por desatendida, nesse caso,
a função social do instituto”.
Outro ponto de importante efeito diz
respeito à função social do usufruto, como destaca o art. 1.410 do Código Civil
e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO
DE EXTINÇÃO DE USUFRUTO. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. DISSÍDIO
JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INADMISSIBILIDADE.
NÃO USO OU NÃO FRUIÇÃO DO BEM GRAVADO COM USUFRUTO. PRAZO EXTINTIVO.
INEXISTÊNCIA. INTERPRETAÇÃO POR ANALOGIA. IMPOSSIBILIDADE. EXIGÊNCIA DE
CUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE.
1-3. (...)
4- O usufruto encerra relação
jurídica em que o usufrutuário - titular exclusivo dos poderes de uso e fruição
- está obrigado a exercer seu direito em consonância com a finalidade social a
que se destina a propriedade. Inteligência dos arts. 1.228, § 1º, do CC e 5º,
XXIII, da Constituição.
5- No intuito de assegurar o
cumprimento da função social da propriedade gravada, o Código Civil, sem prever
prazo determinado, autoriza a extinção do usufruto pelo não uso ou pela não
fruição do bem sobre o qual ele recai.
6- A aplicação de prazos de natureza
prescricional não é cabível quando a demanda não tem por objetivo compelir a
parte adversa ao cumprimento de uma prestação.
7- Tratando-se de usufruto, tampouco
é admissível a incidência, por analogia, do prazo extintivo das servidões, pois
a circunstância que é comum a ambos os institutos - extinção pelo não uso - não
decorre, em cada hipótese, dos mesmos fundamentos.
8- A extinção do usufruto pelo não
uso pode ser levada a efeito sempre que, diante das circunstâncias da hipótese
concreta, se constatar o não atendimento da finalidade social do bem gravado.
9- No particular, as premissas
fáticas assentadas pelo acórdão recorrido revelam, de forma cristalina, que a
finalidade social do imóvel gravado pelo usufruto não estava sendo atendida
pela usufrutuária, que tinha o dever de adotar uma postura ativa de exercício
de seu direito.
10- Recurso especial não provido.
(REsp 1179259/MG, Rel. Ministra NANCY
ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/05/2013, DJe 24/05/2013)
2) A anterior inscrição de nome empresarial
confere ao seu titular o direito de impedir, no território da unidade federada
correspondente à Junta Comercial que realizou tal inscrição, o registro de
marca com idêntica designação?
R=
A anterior inscrição de nome empresarial no órgão competente merece proteção no
ordenamento jurídico. Com efeito, o artigo 34 da Lei n. 8934/1994 estabelece
que o nome empresarial obedecerá aos princípios da veracidade e da novidade. O
primeiro significa que o nome empresarial não poderá conter nenhuma informação
falsa. Sendo a expressão que identifica o empresário em suas relações, é
necessário que o nome empresarial só forneça dados verdadeiros àquele que
negocia com o empresário. Dessa forma, pode ser que, em alguns casos, seja
obrigatória a alteração do nome empresarial. Logo se ocorrer a morte de sócio
ou saída de algum sócio cujo nome consta da firma ou denominação social,
imperioso será a alteração do nome empresarial em atenção ao postulado da
veracidade. O segundo consiste na proibição de registrar um nome empresarial
igual ou muito parecido com outro já registrado (CC artigo 1.163). Cabe à junta
comercial onde o empresário ou sociedade empresária requereu o arquivamento de
seus atos constitutivos proceder à análise da eventual colidência entre o nome
empresarial levado a registro e outro nome empresarial já registrado.
Ressalte-se que a proteção ao nome empresarial, quanto ao princípio da
novidade, se inicia automaticamente a partir do registro e é restrita ao
território do Estado da junta comercial em que o empresário se registrou, nos
termos do artigo 1.166 do CC/02. Por outro lado, a marca é um dos bens da
propriedade industrial protegido mediante o “registro” no INPI, autarquia
federal cuja atribuição é tutelar a propriedade industrial no país. O artigo
122 da Lei n. 9279/1996 define a marca como sendo sinais distintivos
visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais. Para a
doutrina, a finalidade da marca é diferenciar o produto ou serviço dos seus
concorrentes no mercado. Em outras palavras, a marca tem a finalidade de
identificar determinado produto ou serviço do empresário, distinguindo-o dos
demais, ela deve cumprir de forma eficiente essa função, sob pena de não ser
considerada como marca e, via de consequência, não poder ser registrada. É por
essa razão que não se admite como marca expressões genérica, que não sirvam
para distinguir um produto ou serviço de outros. Nesse horizonte, a própria lei
n. 9279/96 prevê algumas proibições quanto ao registro de marca, dentre elas,
está a vedação de registrar elemento caracterizador ou diferenciador de título
de estabelecimento ou nome empresarial de terceiros, suscetível de causar
confusão ou associação com estes sinais distintivos (art. 124, V). Nesse passo,
sobre a vedação do inciso V do art. 124 da Lei em questão. A questão trata do
conflito do nome empresarial com a marca. Nesse caso, o STJ entende o nome
empresarial goza de proteção dentro do Estado da junta comercial em que foi
registrado e, esta proteção pode ser estentida a todo o território nacional, mediante
arquivamento de pedido de proteção de nomes empresariais nas juntas comerciais
dos demais Estados, devendo ser compreendida de modo relativo, o que significa
que, o registro mais antigo não tem o condão de impedir “a utilização do nome
em segmento diverso, sobretudo quando não se verifica qualquer confusão,
prejuízo ou vantagem indevida no seu emprego”. Por sua vez, o titular de uma
marca possui a prerrogativa de utilizá-la, com exclusividade, no âmbito desta
especialidade, em todo o território nacional pelo prazo de duração do registro
no INPI. Muito embora, as formas de proteção ao uso das marcas e ao nome
empresarial sejam distintas, a dupla finalidade que está por de trás dessa
tutela é a mesma, qual seja, por um lado proteger a marca ou o nome da empresa
contra usurpação, proveito econômico parasitário e o desvio desleal de
clientela alheia e, por outro, evitar que esse último aspecto, o que se vê é
que tanto a marca quanto o nome empresarial confere uma imagem aos produtos e
serviços prestados pelo empresário, agregando, como o tempo, elementos para a
aferição da origem do produto e do serviço.
A função da marca é permitir ao público, em uma estrutura econômica de
concorrência, distinguir os produtos ou serviços, de outros que com eles
dividem o mercado e buscam a conquista do consumidor. Assim, a propriedade das
marcas registradas no INPI tem proteção garantida no art. 5º, XXIX, da CF.
Ademais, este mesmo dispositivo constitucional alude à proteção ao nome
empresarial, cuja regulamentação está contida no artigo 124, V da LPI que prevê
a proibição de registro de “reprodução ou imitação de elemento característico
ou diferenciador de título de estabelecimento ou nome de empresa de terceiros,
suscetível de causar confusão ou associação com estes sinais distintivos.” Com
isso, diante do conflito entre nome empresarial e marca o tratamento é o mesmo
conferido à verificação de colidência entre marcas, em atenção ao princípio
constitucional da liberdade concorrência, que impõe a lealdade nas relações de
concorrência. Dessa forma, diante de eventual colidência entre denominação e
marca aplica-se os princípios da anterioridade, territorialidade, ligado ao
âmbito geográfico de proteção e princípio da especificidade, segundo o qual a
proteção da marca, salvo quando declarada pelo INPI de “alto renome” (ou
notória), segundo o art. 67 da Lei 5772/71 está diretamente vinculada ao tipo
de produto ou serviço, como decorrência da necessidade de se evitar erro,
dúvida ou confusão entre os usuários. Destarte, para que a reprodução ou
imitação de elemento característico ou diferenciado de nome empresarial de
terceiros constitua óbice ao registro de marca, que possui proteção nacional, é
necessário, que primeiro : que a proteção ao nome empresarial não goze somente
de tutela restrita a alguns estados, mas detenha a exclusividade sobre o uso do
nome em todo o território nacional; segundo, que a reprodução ou imitação seja
suscetível de causar confusão ou associação com estes sinais distintivos. Dessa
forma, o STJ já decidiu que frente ao risco de ocorrência de associação
de ideias ou confusão no mercado, o art. 124, V da LPI exige que a proteção do
nome empresarial a ser tutelado tenha proteção nacional. Assim, no caso
da questão se o nome empresarial somente foi registrado na junta comercial do
Estado sede territorial da sociedade empresária, não tendo proteção em todo o
território nacional isso não lhe confere o direito de impedir o registro de
marca com idêntica designação.
COMENTÁRIO FINAL: A anterioridade da
inscrição do nome empresarial, de per si considerada, não é inibitória do
registro de marca que reproduz ou imite elemento integrante daquele. A inibição
somente se perfaz quando o nome empresarial tem proteção estendida a todo o
território nacional (territorialidade ampliada) e, para além disso, for
reconhecido que a reprodução ou imitação é passível de gerar confusão no
discernimento dos consumidores em virtude de as empresas envolvidas operarem no
mesmo ramo de atividade (especificidade).
3)Contribuinte efetua pagamento de
tributo em 2006. Em 2009, faz pedido administrativo de restituição, que é
indeferido em definitivo em 2012. Em 2013, diante da negativa
administrativa, o contribuinte efetua
pedido judicial de restituição do tributo. A Fazenda Pública, ao contestar o
feito, alega prescrição, já que entre o suposto pagamento indevido(2006) e o
pedido judicial(2013) passaram-se mais
de cinco anos. Analise a alegação da Fazenda Pública.
Prevê o Código Tributário Nacional:
Art. 165. O sujeito passivo tem
direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial
do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto
no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos:
I - cobrança ou pagamento espontâneo
de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária
aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador
efetivamente ocorrido;
II - erro na edificação do sujeito
passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do
débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao
pagamento;
III - reforma, anulação, revogação ou
rescisão de decisão condenatória.
Art. 168 - O direito de pleitear a
restituição extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados:
I - nas hipóteses dos incisos I e II
do artigo 165, da data da extinção do crédito tributário;
II - na hipótese do inciso III do
artigo 165, da data em que se tornar definitiva a decisão administrativa ou
passar em julgado a decisão judicial que tenha reformado, anulado, revogado ou
rescindido a decisão condenatória.
Art. 169 - Prescreve em 2 (dois) anos
a ação anulatória da decisão administrativa que denegar a restituição.
A interpretação dos referidos
dispositivos tem gerado grande celeuma. Penso, como Leandro Paulsen, que “
aplica-se o prazo de dois anos em se tratando de pretensão de repetição de valores cuja repetição já
tenha sido indeferida administrativamente. Efetivamente, repetição judicial, em tal situação, pressupõe a anulação da decisão administrativa
denegatória”(Direito Tributário, 12 ed, pág. 1151).
De fato, não há sentido em entender
como anulatório puro o pleito baseado no artigo 169 do CTN. Ora, de que adianta
anular a decisão administrativa se não houver a devolução do valor pago
indevidamente? Seria a consagração do conhecido adágio “ganhou mas não levou”
É certo, existem alguns acórdãos mais
antigos do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que os pleitos repetitório
e anulatório seriam distintos, razão pela qual a opção administrativa do
contribuinte em pedir a repetição seria
praticamente única, pois o art. 169 se destinaria a aspectos primordialmente
formais. Acórdãos mais recentes tratam de compensação, que não é o mesmo que
repetição.
A referida tese é de um fiscalismo
extremo. É dar ao Estado a gostosa prerrogativa de controlar os prazos que tem
contra si, bastando deixar transcorrer cinco anos desde o pagamento indevido e
depois indeferir o pleito administrativo.
A tese de que a via judicial estaria desde o início aberta também não socorre
tal argumento. Ora, a resolução dos problemas do Fisco dever ocorrer
primordialmente por ele. O Judiciário é via subsidiária de solução de
conflitos, e não principal.
Conclui-se, pois, que incide a regra
geral de que, enquanto pendente o pedido
administrativo, não corre prescrição,
consagração do postulado da actio nata, no sentido de que não há pretensão manejável se não há ciência da lesão. A única
peculiaridade do Direito Tributário é o novo prazo de dois anos para o pleito
judicial, mesmo que faltante apenas um
mês para a consumação do prazo quinquenal de repetição quando do pleito
administrativo.
Há discussão, contudo, quando o
pleito administrativo for feito em período menor e a soma do prazo já
transcorrido com os dois anos do art. 169 do CTN for inferior aos cinco anos do art.168 do CTN.
Nesse ponto, há entendimento, com o qual não comungo, diante da especificidade
do CTN, de que seria aplicada a Súmula nº 383 do STF, não podendo a prescrição ficar reduzida aquém de cinco anos
Nenhum comentário:
Postar um comentário